Noite quente, à beira-Tejo. O rio corria tranquilo e preguiçoso…
O Equinócio ocorrera há quase um mês, mas só agora parecia estar a chegar “a serena, amorosa Primavera”, como escreveu Barbosa du Bocage.
A contrastar com toda esta serenidade, a azáfama dos restaurantes da zona de Santa Apolónia, como que indicando que esta não seria uma noite igual a todas as outras. Não era. Paulo Furtado, conhecido no mundo da música como The Legendary Tigerman, preparava-se para subir ao palco do Lux Frágil, para apresentar o seu novo álbum, Zeitgeist, registo editado em setembro do ano passado e cuja ideia terá nascido na pista de dança da discoteca lisboeta, razão pela qual esta seria uma ocasião com significado particularmente especial. O espírito conjurado pelo artista iria invadir um espaço habituado a outro tipo de melodias.
Qualquer transeunte, incauto, que passasse pela área, àquela hora, poderia estranhar uma mole humana tão densa e heterogénea. Viam-se t-shirts de bandas de rock, com a mesma frequência com que se identificavam adeptos de um som mais dance. É este o poder da música de The Legendary Tigerman: fundir, de forma orgânica, blues, punk, rock e sonoridades mais eletrónicas.
À hora marcada, a sala já estava cheia, mas foram necessários mais alguns minutos, até que Tigerman e a sua banda subissem ao palco.
No seu estilo “rockstar-old-school”, Paulo Furtado usava óculos escuros e uma indumentária red velvet (à falta de melhor definição, já que não dominamos a palete de cores Pantone), ao passo que os músicos que o acompanhavam preferiam o negro. Ou talvez fosse apenas uma forma de destacar a verdadeira estrela da noite. Aquela por quem todos esperavam. The Legendary Tigerman.
A sequência inicial remete-nos para o novo disco, Zeitgeist. Como dissemos, este terá nascido neste mesmo cenário, pelo que foi como que um regresso do filho pródigo à casa-mãe. Apesar da presença de sintetizadores e de uma tonalidade mais disco, a guitarra continua presente e a essência é a mesma: rock’n’roll.
Antes de anunciar “One More Time”, The Legendary Tigerman olha para a plateia, esgotada, e diz-nos que estamos “muito bonitos”. “Não deixem que vos digam o contrário”, reforça. Depois, na altura em que Sara Badalo se preparava para admitir “I’m a Good Girl”, aproveita para apresentar a banda: para além da cantora, Filipe Rocha (baixo e sintetizadores), Cabrita (saxofone e teclas) e Mike Ghost (bateria) são os responsáveis por dar vida e personalidade às palavras que ecoam pelo Lux Frágil.
Entretanto, salta o casaco, que a noite é quente, e ouve-se que “é um dos dias mais bonitos da vida” de Paulo Furtado, já que está “a celebrar coisas bonitas” connosco.
Entramos em território blues, com “Naked Blues”, tema do álbum com o mesmo nome, editado em 2002, e damos uma volta pelo disco Femina, de 2009, ao som de “& then came the Pain” e “Shell’s a Hellcat”, tema que não era tocado há muito e que transformou o Lux Frágil naquilo que, na verdade, é a sua essência: uma pista de dança.
Depois, apanhamos boleia do “Motorcycle Boy” e arriscamos entrar no “Black Hole”, músicas do Misfit, registo de 2018, desaguando, novamente, no Zeitgeist: “Ghost Rider”, “Keep it Burning” e “Bright Lights, Big City” são as malhas que se fazem ouvir, num regresso a um mood mais eletrónico, sendo que, pelo meio, foi exaltada a performance de Sara Badalo, a novel aquisição da banda que acompanha The Legendary Tigerman.
Ao longo de toda a noite, Paulo Furtado parece falar com a plateia num sussurro, mas as coisas mudam quando, num instante, incorpora The Legendary Tigerman, o seu alter ego, e só tem olhos para a guitarra.
“A próxima canção é de soul/ punk“, anuncia. Regressamos ao Femina, para escutar “The Saddest Thing to Say”, seguindo-se “These Boots are Made for Walkin”, um dos temas mais aplaudidos e “dançados”, do início ao fim.
Na reta final, voltámos a Misfit, através de “Fix of Rock’n’Roll”, e a Zeitgeist, com “Losers”.
O pano caiu quando o espírito da dance floor, Zeitgeist itself, desceu sobre o Lux Frágil e a noite terminou com todos na pista, público e banda, Tigerman ao comando, assombrados pela onda Soul que nos invadiu.



















