Quarta-feira de outono, em Lisboa. O Campo Pequeno encheu, para celebrar a Vida de Jorge Palma. Não apenas o seu último álbum, assim intitulado, mas, sobretudo, a carreira de um dos mais prolíficos e admirados compositores e intérpretes nacionais. E até Taranis, deus Celta que se ocupa das chuvas e das tempestades, decidiu tirar uma folga, para apreciar a obra de Palma, oferecendo-nos uma noite morna, que, inclusivamente, haveria de se tornar quente, ao ritmo das notas que dançariam pela praça lisboeta.
O relógio ameaçava beijar o minuto 15, depois das 21h00, quando Jorge Palma e a sua banda subiram ao palco. “Uau!!”, exclamou, ao dar de caras com a imensa mole humana que o esperava, ansiosa. E o espetáculo começou com ‘Vida‘, o tema que dá nome ao mais recente disco do músico e o mote para uma noite que serviria de autoestrada entre o passado e o presente.
“Boa noite, Lisboa!”, cumprimentou, enquanto se dirigia para o piano, uma “Espécie de Altar” para si, precisamente o título da canção que interpretou, de seguida, também ela retirada do seu último registo. No final, agradece e explica que “a próxima foi vagameeeente inspirada no ‘Quarteto de Alexandria‘…”, referindo-se à obra de Lawrence Durrell. “Chama-se “Quarteto de Corda.”.
Entretanto, Palma deixa o piano e abraça a guitarra, outro dos seus amores, e escutamos ‘Dormia tão Sossegada‘, mas, quem quer que fosse que tentasse dormir àquela hora, acordaria, certamente, com “Cara de Anjo Mau”, sob a chuva de aplausos que se sucedia.
“É com muita alegria que chamo ao palco os meus convidados especiais: a Manuela Azevedo e o Rui Reininho!”, anuncia Jorge Palma. E ouvimos “Plantas da Lua”, música que integra o álbum Vida e que foi introduzida por um belo solo de João Correia, na bateria. Depois, a nossa viagem musical para n’Uma Estação do Inferno‘, mais um tema novo, e desaguamos em ‘Dá-me Lume‘, já sem Reininho, mas embalados pela voz de Manuela Azevedo e pelo trompete de Tomás Pimentel. “Is everybody in?”, pergunta Palma, à banda, antes de nos “dar lume”.
As ovações sucedem-se, na plateia, na bancada e nas galerias, enquanto entra em cena “Estróina”, tema “inspirado em várias personagens um pouco, assim, fora da caixa” e que nos oferece uma excelente performance de Tomás Pimentel, no trompete, como fez questão de exaltar Jorge Palma.
Pausa para respirar.
Palma segue Só, mas acompanhado pela banda. Depois, Canção de Lisboa. À voz do nosso anfitrião e às notas que se evaporam do piano, juntam-se o acordeão de Gabriel Gomes e as palmas do público, naquele que foi um dos momentos mais bonitos da noite. Porém, a ode à nossa cidade seria apenas a introdução a um passeio mais intimista, pelo Bairro do Amor…
“Muito obrigado! Que bom que isto está a acontecer…”, agradece o cantor. “A próxima é algo que compus para o Carlos do Carmo.”, continua. “Ele pediu-me que fizesse uma canção, mas não um fado, que não percebo nada disso. Ao fim de vários anos, fez-se luz e escrevi uma quadra. Rapidamente, acabei a música e a letra e liguei ao Carlos. “Vem cá tomar…um chá!”, disse-me.”, recordou Jorge Palma, entre as gargalhadas do Campo Pequeno. Chama-se “Canção de Vida”…”, anunciou.
Abandonamos a urbe e seguimos para a costa. Afinal, é junto ao oceano que é mais provável encontrar a “Estrela do Mar”. O tema, um dos mais celebrados da noite, foi um solo de Jorge Palma, ao piano, sob um incrível efeito de luz. O silêncio era ensurdecedor e apenas foi quebrado pelos aplausos, em alguns momentos, incluindo no final, apoteótico e com todos de pé.
Regressa ao palco Manuela Azevedo. “A próxima não poderia vir mais a propósito: não tenho palavras que expressem a emoção de estar em palco com este senhor…”, confessa. E ficamos com “Problema de Expressão”, dos Clã, banda à qual a cantora empresta a voz, há mais de três décadas. “Que bom ter pessoas assim, ao meu lado…”, reflete Jorge Palma, no final da música, quando Manuela se despede e antes de se voltar a sentar ao piano. Ouvem-se expressões de emoção, na plateia, quando soam as primeiras notas de “Deixa-me Rir”, uma das canções mais queridas do repertório do artista. O guitarrista Pedro Vidal puxa pelo público e este canta, em uníssono, como se de um verdadeiro coro se tratasse: “Pois é…pois é…”.
É a vez de Rui Reininho voltar a ficar sob as luzes da ribalta. “Esta música é sobre nós”, conta o frontman dos GNR. “Se calhar… Há uns tempos…”, admite Jorge Palma, antes de se ouvirem os primeiros acordes de “Frágil”, tema que, como tantas outros, nos oferece inebriantes solos de piano e trompete, para além das contagiantes “danças” do baixista Nuno Lucas. Segue-se “Ana Lee”, clássico do Grupo Novo Rock (ou GNR), sendo que a última linha da letra foi aproveitada para as despedidas de Rui Reininho: “(…) são arroz xau xau!”. “Xau!”, acena o cantor, enquanto abandona o palco.
Chega a hora dos agradecimentos. À promotora Bairro da Música, passando por todos os técnicos e músicos, e, claro “a vocês, por estarem aqui!”. O discurso soa a ponto final, mas o epílogo ainda tardaria. Ouvimos “Portugal, Portugal”, música intemporal, que termina com o Campo Pequeno de pé.
Os aplausos não cessam e há quem bata com os pés, fazendo estremecer o edifício, como se tivéssemos viajado no tempo, até novembro de 1755, e Lisboa voltasse a abanar, vertiginosamente. Mas não! É novembro, sim, mas de 2024, e o que se pede é um encore. E ele surge.
Jorge Palma regressa ao palco, acompanhado dos filhos, Vicente e Francisco. Os três interpretam “3 Palmas na Mão”. “O nome do nosso grupo de Whatsapp”, confessa o pai.
Na reta final, ainda há tempo para ouvir “Encosta-te a Mim” e não podemos recusar o desafio. Por fim, “A Gente vai Continuar”, com todos no palco, incluindo Rui Reininho e Manuela Azevedo. Por esta altura, o Campo Pequeno é um só corpo. Todos cantam, de pé, e as palmas são apenas mais um instrumento, por entre cordas, teclas e tambores que ressoam na sala.
Enquanto houver estrada p’ra andar, a gente vai continuar.
Nós e o Jorge Palma.
Recorde outros concertos de Jorge Palma:
Jorge Palma Abraça O Amor Com Garota Não, Márcia E Marisa Liz
Cada Um No Seu Lugar A Entoar As Canções De Jorge Palma
Jorge Palma Numa Noite Do Palácio Mágica
Expresso Do Outono De Jorge Palma Voltou A Conquistar Lisboa



















