Segunda-feira de outono, em Lisboa.
A noite pedia um recanto acolhedor, onde pudéssemos passar o serão, e foi isso que nos proporcionou Pedro Cabrita Reis, artista plástico responsável pelo cenário projetado no início e no final do espetáculo: a imagem visual do nome artístico da cantora. O Teatro Maria Matos foi durante o concerto transformado numa confortável sala de estar.
Num extremo do palco, o sofá descansava, sob um luminoso candeeiro. Ao centro, quatro cadeiras esperavam pelos seus tertulianos. Noutro extremo, o piano e o contrabaixo ansiavam pelos seus mestres.
Pouco passava da hora marcada, quando se ouviram os primeiros acordes.
A noite era de Fado e Ana Margarida Prado entra em cena, com a sobriedade e solenidade que a ocasião exige. Na mão esquerda, um laço vermelho contrasta com o vestido negro. Afinal, esta é a apresentação do seu registo de estreia, Laço, disco em que canta a poesia de João Monge.
‘Rosa Brava‘ é a primeira música que se faz ouvir.
Segue-se um novo fado tradicional ‘Alexandrino do Alferes’ da autoria de João Filipe para o poema “Dote”. Depois, as primeiras palavras (não cantadas) da fadista: “Boa noite!”, cumprimentou-nos. “Sejam bem-vindos! Vieram ouvir o meu (o nosso) ‘Laço‘! Agora, um tema que amo…”. ‘Nunca Jurei‘.
Continuamos com a ‘Janela Fechada‘, que lá fora faz frio, música dedicada à mãe de Ana Margarida. E a próxima é para o pai: “Eles formam o par mais bonito! Sempre enamorados…” Ouve-se ‘Fado Domingueiro‘.
Entretanto, a artista senta-se no sofá e medita.
“Ainda não falei dele. Do João [Monge]. Alguém que vai ficar para sempre. A primeira pessoa que me deu a mão e embarcou neste sonho. Que laço este, que nos atou…”
E tomamos ‘Café‘.
A canção seguinte, ‘Dois Altares‘, é apenas acompanhada pela viola de Bernardo Saldanha. “Foi oferecida por Agir e uma das últimas a entrar no disco.”. Em boa hora.
“A minha querida mãe é da Serra da Estrela.”, conta-nos Ana Margarida. “Gostamos de modas e não podia faltar uma! O grande Vitorino fez estas ‘Saias de Chita‘.”. E ficamos a ver a saia rodar.
Entra em cena o primeiro convidado, o contrabaixista Carlos Bica, e escuta-se ‘Dia a Dia‘. Na sequência, junta-se à festa Mário Laginha e o piano ganha vida, acompanhado pelas cordas de Bica. Juntos, tocam ‘Se Ele Passar‘ e ainda nos oferecem um ‘Fado Tango‘, como bónus, tema que termina com Ana Margarida Prado visivelmente emocionada.
“Obrigada! Podem dizer que ouviram uma estreia… Queria muito cantar o tango!”, confessou, sob um enorme aplauso, sendo que a ovação se estenderia ao momento seguinte: “Ele não precisa de apresentações!”.
Camané
“Obrigado!”, agradeceu o fadista. “É um prazer estar aqui, contigo!”, disse, dirigindo-se a Ana Margarida Prado. “Vou cantar ‘Se Amanhã Fosse Domingo‘, mas não será…porque foi ontem!”, concluiu, divertido, antes de embarcar na música, embalado pelo piano de Laginha.
“Agora, é esta! Não é?”, questiona Camané. “E é a primeira vez… ‘Tá bem! Vamos inventar.” E ficamos com o ‘Corrido‘. As teclas de Laginha, as cordas de Bica e as vozes de Camané e Ana Margarida, a ecoar pela sala, proporcionaram um dos momentos mais aplaudidos da noite.
“Vamos voltar a casa”, informa-nos a fadista, ao mesmo tempo que os três convidados dão o seu lugar ao trio de guitarristas que a acompanha. “Foi com este trio que as palavras do [João] Monge começaram a ganhar vida. Devo-vos tudo!”, diz, dirigindo-se a Bernardo Couto (guitarra portuguesa), Bernardo Saldanha (viola) e Francisco Gaspar (viola-baixo). Canta-nos ‘Estrela da Vida’ e oferece um abraço ao compositor Pedro de Castro, por aquela que considera uma das mais bonitas e intensas canções de ‘Laço‘.
Segue-se ‘Fado Estêvão‘ (em que a cantora diz quase ter feito “um trinadinho à Dª Argentina!”) e um instrumental, da autoria de Bernardo Couto.
“O próximo será o tema mais feliz do álbum”, anuncia Ana Margarida. “Queria muito uma marcha e o João [Monge] conseguiu misturar a Lisboa antiga com a moderna. Uma Lisboa que cheira a flores e a caril.”. ‘A Ver as Vistas‘, o público embarca nesta marcha popular, cantarolando, ao ritmo de palmas, enquanto a nossa cicerone se ajoelha e aprecia o momento.
Chega a hora dos agradecimentos. A João Monge e aos convidados. Ao Museu do Fado e aos seus “três preciosos”. A todos os laços que fez. E ao público presente. Aqueles que lhe enchem o coração. E o ‘Fado do Encontro‘. Afinal, foi este que nos levou, numa segunda-feira de outono, a convergir no Maria Matos.
Antes do encore, a mãe da artista aproxima-se do palco e oferece um ramo de rosas brancas a Ana Margarida Prado, deixando a fadista sem palavras.
“Tenho uma surpresa para vós!” Laginha e Bica regressam ao palco, juntando-se a Couto, Saldanha e Gaspar, e escutamos “Prenda”, mais um inédito no Fado Pechincha. Outro inédito. Durante a canção, cada um dos músicos faz um solo e é exaltado. Camané reentra em cena, cantando, para surpresa geral, incluindo da própria artista.
E a noite termina, sob uma enorme ovação, embrulhada pelo ‘Laço‘ de Ana Margarida Prado.

















