Foi com poesia, emoção e muito humor que Benjamin Clementine estreou o cartaz desta edição do CoolJazz. O festival abriu portas esta sexta-feira no Parque Marechal Carmona, em Cascais.
A noite começou com os Plasticine, que aqueceram o público, seguidos da atuação de Rita Vian, a preparar o palco para um espetáculo inesquecível.
O artista britânico apresentou-se como um cantor, músico mas também artista que entrega um pouco da sua personalidade em todos os palcos que pisa. Uniu melancolia e humor, virtuosismo e descontração, numa noite que o público dificilmente esquecerá.
O concerto oscilou entre a solenidade de um recital de câmara e a leveza desconcertante de um espetáculo de stand-up, com Benjamin Clementine a mover-se entre o piano e o microfone como quem conduz uma liturgia pessoal. Há algo de teatral na sua presença, mas nunca forçada, como se cada gesto ou pausa tivessem sido pensados para nos deixar desconfortáveis e fascinados em igual medida.
A noite levou-nos numa viagem que juntou alguns dos seus temas mais conhecidos, com novidades. Ao piano Clementine descarrega todas as emoções que carrega dentro dele: ataca, implora, suplica. As teclas são extensões da sua voz, tão intensa como vulnerável. A entrega foi total, tanto nos momentos de fúria como nos de absoluta delicadeza.
Mas Clementine nunca se deixa prender num registo só. Entre temas, conversou com o público com um humor quase infantil, mas inteligente, provocador e desconcertante. “Nunca vim a Cascais”, começou. “Vocês são de Cascais? Não? Isso é um problema. Gosto de locais. Vocês vêm de longe.”
Quando alguém lhe atirou um piropo, respondeu de imediato: “Tenho esposa. Ela vai-me matar.” E, como tantas vezes faz, transformou o momento em improviso musical: “She’s gonna kill me… Got a wife, if she finds out…” O público, rendido, ria e aplaudia. Não era só um concerto. Era uma conversa, uma partilha de estados de alma, um jogo de espelhos entre o artista e a audiência.
A versão de “Phantom of Aleppoville” foi outro dos pontos altos da noite. Com fortes elementos instrumentais e um tom vocal que evocava os cantores de ópera do musical O Fantasma da Ópera, Benjamin Clementine transformou o tema numa peça dramática sobre dor, alienação e infância interrompida. Foi impossível não pensar na tragédia das guerras que assolam o mundo e talvez por isso mesmo, a interpretação ganhou densidade.
“Spare Me the Shakespeare” contou com um momento cénico invulgar: a orquestra de cordas e sopro, vestida de branco, circulava pelo palco num movimento quase onírico. A canção mergulhou no improviso, e Benjamin Clementine mostrou, mais uma vez, o seu gosto pela quebra das convenções.
Mais tarde, antes de “Condolences”, falou sobre o sentimento de perda, não tanto física, mas existencial que esteve na origem deste tema. Porém esta noite, a sua evocação tinha uma intenção diferente. Referiu-se, com pesar, à recente tragédia que abalou o mundo do futebol, ao lamentar a morte de Diogo Jota. Foi um momento de empatia, inesperado, mas genuíno. A versão do tema foi uma espécie de “remix”, com batidas mais acentuadas e participação ativa do público, que entoou o refrão com entusiasmo. Quando alguns hesitaram, Clementine incentivou: “Não desistam, nós vamos conseguir.” O público respondeu com risos e uma tentativa honesta de acompanhar a melodia.
Houve espaço ainda para o destaque de alguns músicos da banda. O guitarrista brasileiro, Kiko, brilhou num momento de “Condolences” com um verso improvisado: “Eu envio as minhas condolências ao medo, à insegurança.” O público apercebe-se que o músico fala mesmo português e o próprio confirma: “Sempre tem um brasileiro no rolê.”
Rupert Cox nas teclas e outro músico completaram o trio de cúmplices que acompanharam o cantor ao longo da noite.
O momento de “Adiós” surgiu como despedida sarcástica. “Take care… como se diz goodbye?” perguntou. E logo disparou: “Goodbye motherfuckers.” Entre risos, o público percebeu que estava a assistir a um adeus em várias camadas. Sozinho ao piano, acelerou o tempo da música, improvisou sobre Portugal, sobre comida e bebida, e recordou a primeira vez que cantou no país, num concerto promovido por uma conhecida marca de cerveja. E nem a marca escapou aos seus improvisos musicais.
O encore trouxe “I Won’t Complain”, um dos seus temas mais icónicos.
“Cornerstone”, uma das canções mais marcantes do seu álbum de estreia At Least for Now surgiu como um grito de perda e desejo de pertença.
O recente single “Tempus Fugit” encerrou a noite. Benjamin Clementine volta a por, pelas costas, o longo casaco de pelo, com que entrou. O ritmo cresceu, a batida ganhou força, e, num raro momento de euforia dançável, a plateia inteira se levantou para dançar. “Time flies” foram as últimas palavras que ouvimos sair da boca de Clementine.
Rita Vian Trouxe a Força Poética de Sensoreal ao CoolJazz
Rita Vian subiu ao palco do festival CoolJazz, em Cascais, para abrir o concerto do britânico Benjamin Clementine. Sensoreal, o seu primeiro álbum de longa duração, foi o centro de uma atuação que misturou eletrónica, fado e poesia urbana com a mesma naturalidade com que a brisa marítima atravessa os jardins.
Rita Vian fez uso da palavra como arma principal. Canções como “Trago” ou “Purga” ganharam uma dimensão ritualista, entre o canto quase sussurrado e a batida marcada por uma eletrónica subtil mas a fazer subir a pulsação.
Num momento de grande simplicidade e sinceridade, Rita Vian agradeceu ao público e expressou a honra de estar a abrir o concerto de Benjamin Clementine, um artista que admira profundamente. Esse reconhecimento cruzado entre criadores que partilham uma abordagem singular e emotiva à música conferiu ainda mais significado ao encontro.
A reta final do concerto foi marcada por um crescendo emocional: “Ir Embora”, “Caos”, “Purga” e “Tua Mão”.
Warm-up com Plasticine encheu o Palco Cascais Jazz Sessions
Ao final da tarde, o anfiteatro natural do Parque Marechal Carmona encheu-se de música, cor e movimento com o concerto dos Plasticine. O palco Cascais Jazz Sessions recebeu uma multidão curiosa e entusiasmada, pronta para começar aqui numa verdadeira viagem sonora pelo mundo.
O coletivo algarvio mostrou como se pode cruzar géneros e fronteiras, ao fundir o rock progressivo, o funk, o jazz e o soul com ritmos afro, latinos e orientais, numa proposta que agrada tanto a melómanos exigentes como a ouvintes em busca de novas descobertas musicais.
No palco do warm-up do CoolJazz, os temas instrumentais serviram de pretexto para dançar, fechar os olhos e imaginar paisagens distantes, numa linguagem musical que fala à emoção.
O CoolJazz estreou desta forma o seu novo formato, de quatro concertos por noite, que permite ao público entrar mais cedo no recinto, para lhe dar a conhecer novas propostas musicais. A festa continuou depois da meia noite com Mafalda nunes a conduzir a primeira das Late Nights, de volta ao acolhedor espaço do anfiteatro natural do Parque Marechal Carmona.
O Que Ainda Vai Poder Ver no CoolJazz 2025
O CoolJazz 2025 prepara-se apara mais noites recheadas de boa música, sempre com a natureza e a elegância do Hipódromo Manuel Possolo como pano de fundo.
No sábado, 12 de julho, o festival recebe um dos nomes mais aguardados desta edição: Seal, que regressa a Portugal com a digressão Playing All the Hits and More. Antes do britânico subir ao palco principal, a noite começa com Beatriz Nunes nas Jazz Sessions (20h00) e segue com a versatilidade soul e pop de Margarida Campelo (21h15). A fechar, o Late Night promete manter o groove com os ritmos da Groove Armanda, já depois da meia-noite.
A programação continua a 15 de julho (terça-feira), com uma noite de fusão entre jazz, R&B e sons contemporâneos: B£RLIM abre as hostes às 20h00, Jordan Rakei traz a sua mistura de soul e eletrónica às 21h00, e os britânicos Ezra Collective, sobem ao palco principal às 22h30. O after-hours será com Luís Oliveira, conhecido pelas suas seleções musicais e presença na rádio.
Na quinta-feira, 17 de julho, a lusofonia toma conta do cartaz: Isabel Rato Quinteto (20h00) e Jota.Pê (21h00) preparam o ambiente para a estreia dos brasileiros Gilsons (22h30), que trazem a sua sonoridade solar, com influências de MPB, samba e pop moderna. O Late Night estará a cargo da DJ e produtora Rita Lig.
O dia 23 de julho (quarta-feira) marca a estreia de Slow J no festival, com o disco Afro Fado, numa atuação que promete cruzar raízes africanas, tradição portuguesa e hip hop. A noite começa com Bokor (20h00) e Silly (21h15), e prolonga-se com Allexia no palco Late Nights.
No sábado, 26 de julho, os Tindersticks regressam a Portugal para um concerto envolto em melancolia e requinte, depois das atuações de Quarteto de Areia (20h00) e da banda lisboeta Ganso (21h15). Rui Maia, membro dos X-Wife e nome incontornável da eletrónica nacional, encerra a noite.
O festival despede-se a 31 de julho (quinta-feira): Masego estreia-se em Portugal com o seu estilo “TrapHouseJazz” às 22h30, depois dos concertos de Razy (20h00) e Amaura (21h15). Para a última dança, Peter Castro assume os comandos musicais do Late Night.
Ao longo de julho, aos domingos, o festival estende-se também ao Jardim da Parada, em Campo de Ourique, com os Lazy Sundays – DJ sets de entrada gratuita que convidam a relaxar, dançar e celebrar o verão.
O CoolJazz continua, assim, a dar música às noites de Cascais com uma curadoria exigente, cruzando nomes consagrados, talentos emergentes e experiências pensadas para quem vive a música como um prazer pleno.




















