Blasted Mechanism – 30 Anos Celebrados À Beira-Tejo

Por Diana Silva (fotografia) e João Barroso (texto)

Blasted Mechanism
Blasted Mechanism

Três décadas depois de terem dado os primeiros passos na carreira, os Blasted Mechanism convocaram a sua tribo para uma celebração muito especial, sendo que a presença dos antigos membros Karkov (voz) e Winga (percussão) serviu para apimentar, ainda mais, uma festa que se já se adivinhava inesquecível.

Embora centradas no rock, as composições criadas pelo conjunto português incluem elementos de diferentes raízes, transcendendo fronteiras musicais, para além de utilizarem instrumentos como o didgeridoo ou a calachacra, o que, associado às extravagantes indumentárias envergadas pelos integrantes do grupo, contribuiu para que as suas melodias atravessassem gerações, ao longo dos anos, tornando-se referência no panorama artístico nacional.

Antes do muito aguardado concerto, porém, seria a jovem cantora Jazzy Moon a primeira a subir ao palco.

Jazzy Moon

Jazzy Moon entra em cena ao som de “Bad Girl”, tema de abertura do álbum Words Left Unspoken, editado em novembro do ano passado. O disco é, aliás, o alvo destaque da performance da cantora.

Filha de Valdjiu, membro fundador de Blasted Mechanism, Jazzy cresceu no seio de um ambiente musical, mas foi sozinha que encontrou o seu lugar ao sol. “Comecei a escrever ainda pequena, em busca das palavras que tinha dentro de mim.”, conta-nos, dizendo, ainda, que “é uma honra estar aqui, esta noite!”.

“Caught in the Middle”, “Focus” e “Why Do I Bother?” são algumas das novas canções que desfilam, ao longo do concerto, não deixando de haver espaço para que se revisite o EP If You Were Listening, de 2021, do qual faz parte, por exemplo, “The Boy Who Cast a Spell”, outra das músicas que escutamos. Pelo meio, Jazzy Moon apresenta a banda que a acompanha, incuindo o baterista David Gonçalves, também ele filho de um dos elementos de Blasted Mechanism: Fred Stone.

A fusão de Pop acústico e R&B que nos é oferecida pela cantora, ilustrada pelas suas letras de cariz pessoal e intimista, serve para para acalmar as hostes que aguardam, impacientes, pelo espetáculo que aí vem.

Blasted Mechanism

A entrada em palco de Blasted Mechanism é feita ao som de “Battle of Tribes”. Um apelo ao caos, mas não à guerra. E um bilhete para uma viagem ao passado, oferecido a todos aqueles que viveram a primavera da vida no início do milénio. A enorme ovação que ecoa pela sala, quando termina a música, é apenas abafada pelas primeiras palavras, cantadas, de “I Believe”, o tema que se segue. Estamos no álbum Namaste, expressão que representa uma saudação, ou cumprimento, em sânscrito, língua sagrada para muitas culturas orientais. Na altura em que foi composto o disco, talvez ainda não fosse claro qual seria o destino de Rui Carvalho, o homem que veste a pele de Karkov, mas a verdade é que parece ter sido premonição: a cidade indiana de Rishikesh e o Yoga, como disciplina e filosofia de vida, aguardavam por si, serenamente, sendo que lhe terão dado este pequeno intervalo de tempo, para visitar a vida de outrora.

Aproveitemos.

Lisboa, are you ready?“, pergunta-nos a tribo que domina o palco, anunciando, ao mesmo tempo, que será essa a canção seguinte, também ela retirada do Namaste. A Sala Tejo salta, como se a sua vida dependesse disso. Como se as notas que inundam o auditório fossem gotas que caem da Fonte da Juventude. Na verdade, olhando para a audiência, aquilo que observamos é um encontro de gerações. Pais e filhos dançam, harmoniosamente, sob o jugo do mesmo feitiço musical.

“Start to Move”, do disco Mind at Large, é a primeira incursão pela segunda vida de Blasted Mechanism. Riic Wolf e Guitshu chegam-se à frente e tomam conta da festa, enquanto labaredas de fogo emanam do palco e aquecem a plateia. O público grita, cantando cada uma das frases que enfeita as melodias e saltando ao ritmo dos instrumentos tribais. “Que bonita está a festa!“, constata Guitshu, antes de “Blasted Generation”. Depois, nova ligação ao passado: “Oh Landou” e “Spasm”, do álbum Plasma, de 1999. Duas músicas do final do século passado, altura em que muitos dos presentes se encontravam no ensino secundário, ou a dar os primeiros passos pelo mundo universitário. Pelo meio, “We”, tema que inclui o perfume da guitarra portuguesa de António Chainho.

Família bonita!“, elogia, embevecido, Karkov. Entretanto, escutamos a versão acústica de “Rebellion” e Riic Wolf conta quão privilegiado se sente por fazer parte da tribo. Não há muitos anos, era um “simples” fã, como todos aqueles que, hoje, enchem a Sala Tejo.

Segue-se “Rebirth”, malha que ilustra muito bem a costela eletrónica do grupo, sobretudo a partir do já referido Mind at Large, de 2009. “Jump!, Jump!”, ordena, imperativo, Wolf. O povo, apaixonado, obedece. Ouvem-se palmas a compasso e o cantor vai servindo de maestro, convocando os atributos vocais da plateia. Na sequência, “Destiny”. “I like to Party! Do you like to party?“, pergunta Guitshu, ao mesmo tempo que Winga desce do púlpito e cumprimenta o público.

Em 2008, toca o telefone e sou convidado para me juntar a esta familia.“, conta Guitshu, durante uma pausa em que aproveitamos para respirar. “Quero agradecer a todos os que me abraçaram, na altura: uma salva de palmas para vós!“. “New Militia” é dedicada aos fãs e volta a exalar fogo das forjas que parecem dormitar sob o palco. “Fists in the air!”, pede-se. Por esta altura, a Sala Tejo é uma pista de dança incandescente, mas não o suficiente para impedir que os crowdsurfers se façam às ondas sonoras.

This family, all together, under one sun!“, decreta Riic Wolf. Depois, pede a nossa ajuda: a banda precisa de um coro afinado. Aceitamos o repto e cantamos “Under the Sun”, enfeitiçados pelas tonalidades arábicas que invadem os quatro cantos do recinto, ao mesmo tempo que Valdjiu desce à plateia, para, também ele, saudar o insaciável público. Depois, “Grab a Song”. Agora, a melodia emana aromas do Caribe. O concerto é uma montanha-russa de emoções, transportando-nos através de diferentes geografias e sensações. A versatilidade musical de Blasted Mechanism é a sua bandeira.

Continuamos com “Really Happen”, canção que é interpretada a três vozes. Karkov, Riic Wolf e Guitshu unem-se, sob o mesmo ideal, enquanto Valdjiu age como coreógrafo, conduzindo a performance da audiência. A seguir, voltamos a recuar no tempo, para escutar “Mystical Power”, sendo que o djembé tocado por Winga veste a pele de personagem principal, num tema que volta a convocar as raízes reggae da banda, ainda que outras influências se façam ouvir, nas entrelinhas. É música do mundo!

Não podia estar mais feliz! Obrigado a todos, por estarem aqui! 30 anos. Parece que foi ontem…!“, confessa, nostálgico, Karkov, antes de se entregar a “Blasted Empire”. Aqui, o didgeridoo é rei. O instrumento tem origem nos povos aborígenes da Austrália e é tocado (ou soprado), com mestria, por Winga, servindo como catalisador, para que se gere a loucura no seio da Sala Tejo.

Isto é tão bom! Sabe bem!“, atira Karkov, enquanto fita a sua horda de fiéis.

Wolf vai incentivando o público, não permitindo que este poupe uma gota de suor. “Blaaaaaasted!“, grita a sedenta audiência. Mas há mais.

“Come with Us”, um dos novos singles, é a malha que se segue. O efeito de luzes, o salto da mole humana e a tonalidade eletrónica da música transformam a Sala Tejo numa gigantesca discoteca. A sequência, aliás, serve para prolongar essa sensação. “Poison” é ilustrada pelas luzinhas dos telemóveis e pelo fogo preso que continua a ser cuspido do palanque, ao passo que “Black Gold” conduz Riic Wolf até à plateia, onde imerge, até deixar de ser visto.

Chega a hora em que Karkov tira a máscara, transformando-se em Rui Carvalho. “Como é, meus amigos?“, pergunta. Agradece ao público, aos artistas que desenham os “fatos extravagantes” e à equipa de produção, chamando dois destes elementos ao palco, como representantes de todos aqueles que trabalham na sombra. “Conhecem esta?”, questiona o cantor. Um coro afinado canta, em uníssono, “When the Sun Goes Down”, mostrando que sim. Segue-se “Zapping”, momento em que Winga se dirige ao público, para pintar todas as faces com que se vai cruzando.

Are you still with us?“, questiona Karkov. “Esta é uma das mais antigas!“, anuncia, chamando, de seguida, David Gonçalves, baterista de Jazzy Moon e filho de Fred Stone, o homem que comanda a bateria de Blasted Mechanism. Juntos, atiram-se aos tambores, oferecendo um peso extra a “The Atom Bride Theme”. Voltamos a estar numa pista de dança e Winga aproveita para navegar sobre o mar de gente que enche a Sala Tejo. Depois, o regresso à calma. Karkov apresenta cada um dos elementos da banda, começando pelo incansável Ary, ele que domina a arte de tocar baixo, enquanto ensaia estranhas coreografias. Seguem-se as chamadas de Winga (percussão), Fred Stone (bateria), Valdjiu, o “master of strings”, e de “os irmãos do mic”, Riic Wolf e Guitshu, sendo que este também se ocupa dos teclados. No entanto, é para Karkov, “the one and only”, que está reservada a maior ovação.

Antes do final, ainda há tempo para mergulhar no “Blasted Universe”, single recentemente lançado, que conta com as participações especiais de Karkov e Winga. Uma forma de celebrar o 30º aniversário de Blasted Mechanism, juntando o passado e o presente, numa música que convoca o futuro.

O ponto final surge ao som do clássico “Karkow (Nadabrovitchka)”. A Sala Tejo é um vulcão em erupção e nem os pingos de chuva ou as águas do rio conseguem apagar o fogo que alastra pelo recinto. Uma mistura de nostalgia e felicidade explosiva que continuará a escorrer, lentamente, como lava, através dos caminhos que percorreremos amanhã.

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