Dopamina, Pó E Verão Juvenil: O Sumol Summer Fest Não É Para Meninos

Reportagem de Inês Lopes e Tânia Fernandes

Morad

Sol, praia e música. Assim se viveu mais uma edição do Sumol Summer Fest, que voltou a encher a Costa da Caparica de ritmo, cor e juventude. Nos dias 4 e 5 de julho, o Parque de Campismo do Inatel, na Praia de São João, foi o epicentro de um dos festivais de verão. Milhares de jovens marcaram presença para celebrar a música, o calor e a liberdade de dançar até ao último beat.

Com um cartaz que trouxe hip-hop, trap, pop e música eletrónica, o Sumol Summer Fest fez-se de encontros, descobertas e muita energia.

MC Cabelinho: Funk, Romance e Resistência no Fecho do Primeiro Dia

Era já madrugada quando MC Cabelinho subiu ao Palco Sumol para encerrar o primeiro dia do festival. Com um à-vontade que vem de quem conhece bem o que faz, Cabelinho trouxe uma mistura de funk e trap que segurou o público até ao último beat.

Cabelinho não é daqueles artistas que precisam de falar muito entre músicas. Ele canta, e isso basta. Os temas que mais bateram? “Minha Cura”, “Você Me Perdeu” e “X1” — três faixas que mostram bem a dualidade do artista: tanto fala de amor e entrega como descreve as feridas de quem vem de dentro.

O público, muito jovem e com telemóvel sempre apontado, sabia o repertório de cor. E viveu cada verso.

Lil Tecca e a Sua Dose de Dopamina

Lil Tecca foi o grande destaque do primeiro dia de festival. O jovem rapper, natural do Queens Nova Iorque, atuou no Sumol Summer Fest, antecipando aos festivaleiros os temas do seu mais recente álbum, DOPAMINE. Lançado a 13 de junho de 2025 é o quinto álbum de estúdio de Lil Tecca. Em apenas sete dias desde o lançamento, o disco alcançou o 3º lugar na Billboard 200, reuniu 419 milhões de streams globais e conquistou o topo nos géneros rap e R&B/Hip-Hop. Envolve produção de nomes como Lucas Scharff, Taz Taylor, Rio Leyva e Clams Casino.

A música de Lil Tecca vai do trap, à dance pop, soando por vezes a música de discoteca e ainda explora afrobeats. Um estilo que reflete a variedade de interesses das novas gerações.

DOPAMINE representa a evolução de Lil Tecca: produções complexas, mas acessíveis, letras que espelham os dilemas jovens, e uma presença digital que o coloca no centro da cultura contemporânea. Em palco, no Sumol Summer Fest, Tecca trouxe energia, autenticidade e os seus maiores hits, mostrando porque continua a ser uma referência para os adolescentes e jovens adultos. O espetáculo foi um bom momento marcante para os fã, que embarcaram na “dose de dopamina” sonora que este artista produz.

Insufláveis, Paródia e Culto Jovem: o Caos Delicioso de Chico da Tina no Sumol Summer Fest

A outra estrela deste primeiro dia de Sumol Summer Fest foi Chico da Tina. O concerto de Chico da Tina no Sumol Summer Fest foi uma paródia assumida, um Carnaval de verão com autotune, roupas kitsch e insufláveis a voar pelo ar. Mas também foi, para muitos dos jovens, o momento alto do festival, mesmo que tenha sido anunciado à última hora como substituto de Tiacorine. E talvez por isso tenha sabido ainda melhor.

Chico da Tina é um fenómeno estranho e irresistível. O rapaz de Viana do Castelo é hoje um ícone da nova música portuguesa, com um culto fervoroso entre o público mais jovem. Não é só um artista,  é um meme ambulante, um statement estético e um símbolo de irreverência geracional. Tudo isso esteve em palco, mais uma vez, na noite de sexta-feira.

O concerto começou com um cenário improvável: insufláveis gigantes, balões a saltar sobre a multidão, fãs com lenços à cabeça, outros de óculos escuros à noite. Um dress code não oficial inspirado no próprio Chico. “Freicken” e “Ronaldo” puseram toda a gente a cantar em coro, enquanto o rapper, com o seu sotaque minhoto intacto e uma energia descomprometida, se ria de si próprio e do mundo à sua volta.

O som nem sempre esteve impecável, mas quem estava ali queria menos concerto e mais happening, uma celebração absurda da cultura pop, da ruralidade remixada e da liberdade de se ser diferente.

O seu espaço está algures entre o humor e a crítica, entre o folclore e o trap, entre o Norte profundo e a cultura de internet. E quando ele sobe ao palco, é um fenómeno cultural a acontecer ao vivo. Mesmo que envolva insufláveis a voar.

O Segundo Dia de Sumol Summer Fest

O segundo dia de festival começou com a portuguesa Tixa, conhecida por sua mistura de estilos musicais que inclui pop, trap e música urbana. A artista começou a ganhar notoriedade nas redes sociais, onde dá a conhecer a sua música e interage com os fãs.

Com letras que abordam temas do quotidiano e experiências pessoais têm contribuído para seu crescimento no cenário musical português.

Rap Crioulo Brilhou no Final de Tarde do Sumol Summer Fest

Passamos depois para o palco principais onde se assistiu a uma das produções exclusivas do Sumol Summer Fest: o espetáculo RAP Crioulo, que juntou que juntou em palco alguns dos nomes mais representativos da cena hip hop de expressão crioula em Portugal. TWA, Nigga Poison, Landim, Loreta, Juana Na Rap, Mynda Guevara, Ghoya, Ne Jah, Nex Supremo, XRootz, DJ Kronic e DJ Fumaxa protagonizaram uma atuação coletiva carregada de energia, identidade e afirmação cultural.

Com raízes nas comunidades cabo-verdiana, guineense e santomense, este encontro musical foi uma celebração de vivências. Trouxeram narrativas urbanas, que se afirmam na língua crioula, um idioma tantas vezes marginalizado, mas aqui elevado a língua de palco. As rimas fluíram entre crioulo, português e outras influências linguísticas, com versos que abordaram temas como a desigualdade, o racismo, a força das mulheres, o orgulho nas origens e a realidade das periferias.

O público, maioritariamente jovem, respondeu com entusiasmo, reconhecendo os temas, os artistas e o peso simbólico deste alinhamento único. A presença de nomes históricos como Nigga Poison e TWA ao lado de vozes emergentes como Ghoya e Nex Supremo deu ao espetáculo um caráter intergeracional, a mostrara vitalidade e a continuidade do movimento.

DJ Kronic e DJ Fumaxa garantiram os beats e transições com mestria, contribuindo para uma atuação coesa, onde cada artista teve o seu momento, mas sem perder o sentido de coletivo. O espetáculo terminou com todos os MCs juntos em palco, num final apoteótico que misturou flows, abraços e palavras de agradecimento.

Mc Luuky: Funk de São Paulo no Areal da Caparica

O Palco Sumol estava à pinha antes mesmo de Mc Luuky entrar em cena. Vinha com selo do Brasil, com milhões de plays no Spotify e aquele som que cola à pele, mesmo que nem se perceba bem o que se canta. E isso bastou para juntar uma multidão à beira-mar, de telemóvel na mão e olhos colados ao palco.

Mc Luuky tem 22 anos, vem de Taboão da Serra, periferia de São Paulo, e tem o funk no corpo como quem carrega a sua rua na voz. Não é preciso muito para perceber de onde vem: basta ouvi-lo rimar ou vê-lo mover-se no palco, com a mesma naturalidade de quem cresce no meio do barulho e aprende cedo a falar mais alto do que o resto.

A entrada foi direta ao assunto. Sem grandes falas, começou a disparar batidas com graves a sacudir o chão. Hits como “Olha para a cara de quem te…”, “Malvadinho”, “Mó Fita”, “Sexta feira hoje tem” não falharam. São temas que funcionam quase por reflexo. A malta responde, dança, canta, grita. Há ali um código comum que não precisa de ser explicado.

O som é cru, com aquele swing típico do funk paulista, mais seco, menos melódico, mas sempre com groove. As letras falam de dinheiro, carros, “Só menina linda”. Não é novo, mas continua a resultar. E o MC Luuky sabe disso. Joga com o público, comanda a energia, puxa por todos sem grande esforço. Esteve confortável no Sumol Summer Fest. De tal forma, que no final enrolou-se na bandeira nacional e foi cantar para o meio do público, rodeado dos seus fãs, por quem se deixou abraçar e filmar.

“Deixa rolar” foi a despedida, num concerto em que a pirotecnia complementou a atuação do artista e acentuou a força de alguns refrões.

Lil Tjay entre a Desilusão e a Fraude

Antes de Lil Tjay subir ao palco, sentia-se no ar uma tensão elétrica. O público, cada vez mais compacto e impaciente, começava a agitar-se com força, e os moshpits formavam-se em sucessão, levantando nuvens de poeira que pairavam sobre a multidão. A espera transformou-se num teste de resistência e os seguranças estiveram à altura. Incansáveis, ajudaram quem não se estava a sentir bem e retiraram quem se via em apuros.

Distribuíram garrafas de água, de forma indiscriminada para acalmar os ânimos e evitar situações mais complicadas. Foi um pré-concerto intenso, onde a música ainda não tinha começado, mas o corpo já dançava.

Lil Tjay era um dos artistas mais aguardados deste festival. Prodígio do Bronx, sobrevivente precoce do sistema judicial americano, rapper de melodias doces com historial de prisão juvenil e refrões que navegam entre o trauma e o TikTok.

Mas o que prometia ser um momento alto acabou por cair num buraco tão fundo quanto os graves das colunas instaladas em São João da Caparica. Lil Tjay foi uma fraude, com luzes de palco.

Durante boa parte do concerto, limitou-se a balbuciar versos, ou melhor, a deixar que o MC que o acompanhava assumisse as rédeas da atuação.

Lil Tjay mal cantou. Não que se esperasse uma performance à la Kendrick, mas esperava-se que ao menos conhecesse as próprias letras. Em vez disso, ouvia-se mais a gravação do que a sua voz, o que não seria grave se tivesse sido um playback bem montado. Não foi. Nem para isso deu.

É certo que os seus temas vivem muito do automatismo emocional e melódico com que foram concebidos: “True 2 Myself”, o hino da sua autodefesa artística, fechou o concerto com a força de um post de Instagram publicado por engano. Já “Calling My Phone”, essa balada em slow motion com espírito de desabafo adolescente, ainda arrancou uns braços no ar e uns vídeos em modo story. Mas foi tudo demasiado pouco.

Ficou a sensação de que Lil Tjay, outrora o menino do Bronx que misturava Jay-Z com Justin Bieber e fazia harmonias como quem reza para sair do bairro, perdeu o fio à própria narrativa. E sem narrativa, não há rap que se aguente.

Morad no Encerramento do Sumol Summer Fest 2025

Último nome do cartaz, último corpo a pisar o palco, última descarga de energia no areal da Caparica. Morad encerrou o Sumol Summer Fest à sua maneira: sem floreados, sem grandes falas, sem sorrisos a mais. Só ele, o microfone e uma parede de batidas duras.

É fácil perceber o apelo de Morad. O rapper de L’Hospitalet de Llobregat não traz refrões fáceis nem coreografias pensadas para o TikTok. Traz verdade, ritmo, e um sotaque de rua que não se perde em tentativas de soar polido. A voz rouca, quase sempre cuspida mais do que cantada, carregava a noite como se fosse uma missão. No público, muitos conheciam as letras palavra por palavra. Devolviam-lhe essa entrega, com intensidade proporcional.

O alinhamento foi seco e direto. Sem baladas, sem pausas para respirar. “Motorola”, “Pelele”, “Soñar”, são temas que funcionam como faixas de resistência.

O público agarrou-se ao momento como quem sabe que o festival está a chegar ao fim. E, mesmo de madrugada, com os corpos cansados de dois dias de pó, sol e som, a energia não caiu. Morad puxava, a plateia respondia. Gritava, e vinham-lhe ecos. Um vaivém entre palco e chão, onde ninguém se poupava.

Sai-se do Sumol Summer Fest com os pés negros e a cabeça a zumbir. Para os jovens, acresce a sensação de que, apesar do pó nos pulmões e do cansaço, é ali, naquele delírio coletivo à beira-mar, que tudo faz sentido.

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