Festival Kalorama: Quando O Espectro Da Música De Dança Une Géneros E Estilos

Reportagem de Tânia Fernandes (texto) e António Silva (fotografia)

FKA Twigs
FKA Twigs

No segundo dia do MEO Kalorama, no Parque da Bela Vista, Lisboa, a música de dança revelou-se como um fio condutor que atravessou diferentes estéticas. De FKA Twigs a Maquina, passando por Róisín Murphy e Scissor Sisters, todos fizeram o corpo mexer, quer com batidas hipnóticas, quer com a energia que partilharam entre o palco e o público. Cada banda trouxe a sua própria leitura do que significa criar música para dançar — e mostrou que dançar vai muito além do clubbing ou das pistas de dança convencionais.

Heartworms

Ontem, a banda Heartworms fez a abertura do palco San Miguel do MEO Kalorama. Liderada por Jojo Orme, a artista britânica apresentou ao público uma performance carregada de intensidade, fiel ao espírito do seu mais recente álbum, Glutton For Punishment.

Com um som que mistura agit-pop, Jojo explorou temas como famílias desfeitas e relações tumultuosas, entregando-se de corpo e alma à interpretação. A voz firme e expressiva de Orme, captou a atenção de quem assistia.

O público respondeu com entusiasmo, numa clara demonstração de empatia pelo universo pessoal que Heartworms trouxe ao palco.

Foi um começo forte para o palco San Miguel e uma amostra da promessa que Heartworms representa no panorama musical atual.

MAQUINA.: O Pulsar da Pista Sem Sintetizadores

Seguiram-se, neste palco, os MAQUINA.: um trio português que transforma a linguagem da música de dança em algo cru, visceral e totalmente analógico. Formados por João na guitarra, Tomás no baixo e Halison na bateria e voz, os MAQUINA. são uma verdadeira máquina sonora ao vivo.

O concerto foi um turbilhão de bateria incansável, baixos distorcidos que faziam tremer o chão e guitarras que se confundiam com sirenes e ruído industrial. Apesar de o nome e a sonoridade nos remeterem para o universo da música eletrónica, os MAQUINA. não utilizam sintetizadores.

Em vez disso, o poder do trio reside na forma como manipulam os instrumentos tradicionais de uma banda de rock para criar o transe próprio das pistas de dança.

O público respondeu com saltos, braços no ar e uma entrega total ao ritmo. O EP Prata, lançado em 2023, foi o fio condutor da atuação, com destaque para a faixa homónima que, ao vivo, ganha ainda mais corpo e intensidade.

Model/Actriz: o corpo como instrumento de provocação e libertação

À medida que o sol começava a baixar, os Model/Actriz trouxeram ao festival Kalorama a sua versão inquieta e sedutora da música de dança. A banda de Brooklyn, formada em 2016, apresentou um espetáculo em que a energia pós-punk e o noise rock se fundiram com ritmos que obrigavam ao movimento.

Cole Haden, o carismático vocalista, foi o centro de todas as atenções: ora desafiador, ora quase em transe, usou o corpo como extensão da música, transformando o concerto num ritual de libertação.

O álbum Dogsbody (2023) e o mais recente Pirouette (2025) deram o mote para uma atuação intensa e física, onde o som rugoso da guitarra e o baixo se aliaram a uma bateria quase tribal. As letras, carregadas de simbolismo e sexualidade, sublinharam o carácter performativo e inclusivo da música da banda, que convida o público a dançar para se descobrir e se afirmar.

Boy Harsher: A Sedução Minimalista da Batida Sombria

Com a noite a cair, os Boy Harsher tomaram conta do ambiente com o seu electro-pop minimalista e hipnótico.

O duo americano, composto por Jae Matthews e Augustus Muller, criou um espaço sonoro de sombras e luzes. As batidas faziam apelo à alma do público.

Temas, como “Pain”, fizeram o recinto transformar-se numa pista de dança melancólica, onde a sensualidade da voz de Matthews encontrou no sintetizador e nos ritmos precisos de Muller o cenário perfeito.

A ligação à dança foi evidente: a música dos Boy Harsher apela a um movimento mais introspetivo, quase como um diálogo entre o corpo e o desejo, entre o ritmo e o vazio. O público, rendido, deixou-se embalar por canções que falam de solidão, desejo e fantasia.

Scissor Sisters: A Explosão Festiva e Colorida da Dança

No palco principal, os Scissor Sisters trouxeram a verdadeira festa. A banda nova-iorquina, que desde o início dos anos 2000 mistura rock, pop, glam e disco com uma teatralidade contagiante, encheu o recinto com luzes, cor e coreografias ousadas.

Os grandes êxitos, como a cover dos Pink Floyd “Comfortably Numb”, “Take Your Mama Out” e “I Don’t Feel Like Dancin’”, foram recebidos em euforia por um público que se entregou ao espírito irreverente e inclusivo do grupo.

“Take your Mama” cruzou com “Freedom”, de George Michael. Uma canção de celebração da liberdade e da diversidade ecoou do palco para toda a plateia.

A música dos Scissor Sisters não é apenas para dançar: é para celebrar, provocar e libertar. Jake Shears e Ana Matronic lideraram um espetáculo onde o movimento e a performance se fundiram numa só energia, recordando que a dança é também um ato de resistência e afirmação identitária.

A noite era de festa também para a banda. No final da atuação dos Scissor Sisters, todo o público da Bela Vista se uniu para cantar os parabéns a Bridget Barkan, a vocalista de apoio da banda, que celebrava o seu aniversário.

Róisín Murphy: A Diva do Electro-Pop que Transforma o Palco em Obra de Arte

A noite continuou com a atuação de Róisín Murphy. Com uma longa carreira, que começou nos Moloko, e se prolonga numa discografia a solo que desafia géneros, Róisín continua a ser uma das artistas mais fascinantes da música eletrónica.

Apresentou temas do seu mais recente trabalho Hit Parade, como “You Knew” ou “Can’t Replicate”, bem como clássicos como “Sing It Back” ou “Pure Pleasure Seeker”.

O seu concerto foi uma verdadeira experiência sensorial, onde o house, o disco e o techno se cruzaram com a teatralidade das suas indumentárias e coreografias.

Róisín faz da dança uma extensão do seu universo artístico.

FKA Twigs: Quando a Dança se Torna Arte Total

O encerramento do dia coube a FKA Twigs, e foi um fecho em grande. A britânica levou ao palco principal um espetáculo que uniu música, dança contemporânea, performance e moda.

As faixas de CAPRISONGS e trabalhos anteriores surgiram transformadas em peças de arte, com coreografias que cruzaram o voguing, o ballet e a dança urbana.

FKA Twigs é, talvez, o exemplo maior do que significa hoje fazer música de dança: a sua arte transcende os géneros e as etiquetas.

A sua voz etérea, os arranjos futuristas e a componente física do espetáculo deixaram memória.

Neste segundo dia, o festival Kalorama mostrou que a dança é muito mais do que música para mexer o corpo: é linguagem, identidade e celebração. E ontem, a pista foi de todos.

Sábado, dia 21 de junho é o ultimo dia de Kalorama 2025. Vai poder assistir a:

No palco MEO: Carla Prata; jasmine.4.t; Noga Erez; Jorja Smith; Damiano David (vocalista dos Maneskin)
No palco San Miguel: Yakuza; BADBADNOTGOOD; Royel Otis; BRANKO
No palco PANORAMA Lisboa: Bernardo Vaz; Anish Kumar; Jennifer Cardini; Ryan Elliott (residente do Berghain, Berlim); Daniel Avery

Os bilhetes encontram-se à venda nos locais habituais e custam 55 euros.

Recorde o primeiro dia de Kalorama 2025:
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