Hélio Morais Abriu O Coração E Partilhou As Suas Pisaduras

Reportagem de Diana Silva (fotografia) e João Barroso (texto)

Helio Morais
Helio Morais

No passado sábado, dia 9 de março, Hélio Morais subiu ao palco do Pequeno Auditório do Centro Cultural de Belém, em Lisboa, para apresentar Pisaduras, o seu primeiro registo em nome próprio.

Ao longo da carreira, Morais tem deixado a sua assinatura em projetos tão díspares como If Lucy Fell, Linda Martini, Paus e Murais. Diferentes sonoridades e paisagens musicais. Desta vez, porém, o artista embarca numa viagem pelas suas raízes e “pisaduras”, conduzindo-nos através de memórias que vão da infância ao lugar em que se encontra hoje.

“Nem lua, nem marés” foi o ponto de partida. Um tema em que Hélio Morais parece cantar angústia e impotência e que, de certa forma, se coadunou com a noite fria e chuvosa que se fazia sentir, lá fora.

Depois, “Pra que chegue ao fim”, embora estivéssemos apenas no início. Trata de violência doméstica. “De uma vida partida em dois” e de “uma casa sem teto nem chão”. Foi como mergulhar nas entranhas do jovem Hélio e ver com os seus olhos…

Seguir-se-ia “a primeira de algumas canções para a Conceição”. A mãe.

“Voltas e voltas e voltas” incluiu berimbau, instrumento originário de Angola e tradicional da região nordeste do Brasil, o que se pode assumir como sendo uma referência às suas raízes angolanas e ao facto de grande parte do álbum ter sido gravado do outro lado do Atlântico.

Na sequência, “‘Olhos Salgados”, a primeira música composta para Pisaduras e cuja letra foi escrita do ponto de vista de Conceição, que, emocionada, algures entre a audiência, gritou: “obrigada por seres meu filho!”.

Fala-se de fuga. Do amor de uma mãe que se viu obrigada a deixar o filho, o seu maior bem, sem dizer adeus ou olhar para trás, para poder sobreviver. O silêncio que se ouvia na sala falava por si. Arrepiante.

Entre estes dois momentos, Hélio Morais declarou-se feliz por poder partilhar com o público episódios tão marcantes da sua vida, aproveitando, também, para apresentar os músicos que o acompanhavam: Larie Tav, na viola acústica e na voz, Miguel Ferrador, nos teclados, Méli e Emile Pereira (ambas do Coletivo Gira) e João Vairinhos, na percussão.

Explicou que este disco nasceu de forma inesperada e da necessidade de exteriorizar o que lhe ia na alma, como que para exorcizar algumas imagens reprimidas pela sua memória. Também por isto, por ser algo tão íntimo, decidiu assumir-se em nome próprio, ao contrário do que fizera anteriormente, quando se lançara a solo, com o projeto Murais.

Sensivelmente a meio do espetáculo, ouvir-se-iam duas canções não incluídas em Pisaduras. Na primeira, ao som da guitarra usada para compor o álbum (“a viola da Rosa, filha do amigo Ricardo”), canta-nos sobre a vizinha que o acolhia, “com o pijama debaixo da roupa”, nas noites em que o pai trabalhava, deixando-o sozinho. A segunda, “Mana”, é dedicada à irmã. Pelo meio, Hélio Morais senta-se ao piano e escuta-se “Sonhei coisa proibida” e a vontade de levar a cabo uma espécie de morte emocional do agressor.

“Tábuas, pregos e flores” é antecedida por um agradecimento aos amigos presentes na plateia e marca um ponto de viragem na história que nos é contada. Ou cantada. Faz-se um funeral do passado e celebra-se a vida. “Foi-se a noite e veio a luz do dia”. Muda-se a página e começa um novo capítulo, que desagua no “Almoço de domingo”, em casa da avó. Há muamba, “um pingo de jindungo” e “os primos, na mesa dos putos”. Solicita-se mais amor e Hélio Morais aproveita para pedir à mãe, Conceição, que regressem os almoços de domingo.

O epílogo chega-nos com “Deixa o resto”, ao cabo de cerca de uma hora de concerto, “de olhos puídos e molhados”, “de ossos moídos e cansados”, “mas em paz”. Também nós nos sentimos assim, como se tivéssemos pisado os mesmos caminhos.

Pisaduras é uma obra conceitual, que retrata uma história real. É um disco catártico e muito pessoal, que nos transporta através de caminhos obscuros, mas que, no final, desemboca num lugar luminoso.

O álbum foi gravado entre Lisboa, Pernambuco e São Paulo, com produção de Benke Ferraz, contou com a participação de vários convidados e está disponível desde o dia 23 de fevereiro.

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