Quando Voltamos a Acreditar no Amor é o mais recente romance do jornalista Júlio Magalhães, que chegou recentemente às livrarias nacionais, com selo Planeta.
António ficou fixado na fotografia que acabava de revelar. António de Oliveira Salazar cumprimentava um grupo de enfermeiras de partida para Angola.
Todas sorriem do alto das suas fardas e do seu dever patriótico, mas há uma de rosto fechado, que olha, olhos nos olhos, o ditador, numa postura tensa e de desafio. Quem seria esta mulher de boina verde que fechava o sorriso a Salazar?
António é incumbido pelo presidente do Conselho de partir para a colónia portuguesa para se inteirar da situação real do país, em tempos de guerra. A desculpa é que iria fazer a reportagem fotográfica da digressão de José Oliveira, o grande cantor nacional, que tinha como objetivo animar as tropas portuguesas. Na comitiva segue também Cardoso Aranha, um agente da PIDE, que só conhece a força das suas mãos.
É em Angola que António se cruza com o rosto da fotografia e descobre Catarina, uma jovem de boas famílias, que decidiu rasgar os planos que outros fizeram por ela e embarcar como enfermeira paraquedista para Angola. Aqui descobre uma realidade que não estava à espera. Só o amor a consegue salvar e fazer voltar a acreditar.
Descubra algumas personagens deste novo livro, deixe-se guiar pela vivência da época (sem spoiler) e conheça, um pouco mais, do “jornalista que escreve uns livros” e nos traz uma belíssima estória romanceada, com protagonistas fortes e decididos. Um retrato de 1965, que bem poderia ser de 2023… E o que diz o autor sobre este romance? Fomos descobrir.
À Conversa com Júlio Magalhães
Como identificaria as suas técnicas de escrita para este romance? Como é o seu processo de escrita criativa?
É sobretudo uma grande reportagem jornalística romanceada. O processo não é nenhum. Raramente tiro notas.
Leio, falo, e investigo sobre a história que combinei contar com a editora. Vou escrevendo sem tempo e sem regras específicas. Não tenho nenhuma disciplina de horários, de momentos ou de locais. Quando sinto que tenho elementos suficientes, sento-me a escrever. Às vezes, no meio de muita gente, outras vezes, de forma isolada. É um processo jornalístico. À medida que vou escrevendo, envio para a editora, que me vai dando também sinais, indicações, e caminhos e alguma investigação.
Sempre jornalista que escreve uns livros. Um jornalista é um contador de histórias acima de tudo. Os livros são um prolongamento da minha atividade. Mas não sou escritor. Não é a minha única e atividade principal. Escrevo por prazer e porque tenho a obrigação de saber contar boas histórias com história.
Disse que considerava os seus livros “grandes reportagens”, que permitam que as pessoas fiquem a conhecer um pouco da História. O livro Amor em Tempo de Guerra e este “Quando voltamos a acreditar no amor” são prova disso. Tem algum fascínio pela ditadura salazarista? Porque coloca estas duas estórias – e outros dos seus livros – neste espaço temporal?
Porque foi um tema que vivi. Porque me permite falar com muita gente que viveu esse momento. Porque essa década marcou a minha vida. Foi o tempo que vivi em África, no caso, Angola, foi o tempo do 25 de Abril, foi o tempo da descolonização que mudou o rumo da minha vida, a vida da minha família e a dos meus amigos. E porque contou-se sempre muito pouco do que foi esse tempo das nossas vidas.
Ainda comparando estes dois romances, o primeiro é mais focado em António e Amélia. Neste segundo romance parece que há uma tentativa de descrever toda a sociedade, através de cada uma das personagens. Não teve dificuldade em seguir cada uma delas ao longo da história?
O primeiro romance foi sobre quem teve de ir embora de África por causa da guerra, como foi o caso da minha família. O segundo foi sobre os militares que foram para a guerra. O terceiro sobre os que foram para França para fugirem à guerra. E este, que fecha o ciclo, é sobre outros protagonistas da Guerra Colonial – que não foi feita apenas por militares. A história escreve-se com muitas outras pessoas. Estão no livro. Não foi difícil chegar lá, e se olharmos agora para a guerra da Ucrânia, vemos que o sofrimento e as vivências não são muito diferentes.
Como foi voltar à escrita volvido um interregno de 11 anos?
Um prazer, mas sinto que o devia ter feito há mais tempo. São muitos anos de interregno. Tive mais dificuldade em retomar, e agora sinto que os leitores também começam, aos poucos, a retomar a ideia dos livros que leram. O que importa é que voltei, mas sim, devia ter continuado , devia ter mantido o ritmo e o contacto com os leitores. Mas a vida não me permitiu. Ou eu não tive paciência e resiliência para isso. Mas é extraordinário voltar. Espero agora não parar.
O que é mais importante para si no livro: passar a vivência da época ou sublinhar a história de amor? Do retorno que tem recebido, qual deles pensa que o público prefere?
Passar a vivência da época. As pessoas que viveram naquele momento dizem-me que se sentem retratadas nos livros. As que não viveram, conheceram. E os jovens estão muito longe desse tempo. Se conseguir chegar a eles e explicar o que foi África, a Guerra Colonial, a descolonização, e como mais de meio milhão de pessoas teve de recomeçar a vida do zero, é uma grande vitória. O amor está sempre presente nas nossas vidas. A história é que tem de ser contada
Quais os valores ou princípios das personagens que consegue trazer até aos nossos dias? Apesar de épocas diferentes, os leitores de hoje conseguirão identificar-se com alguns dos personagens do livro?
Desde logo a enfermeira paraquedista que seguiu o seu sonho contra a vontade do pai. Retenho-me nisso. Muitos anos volvidos e ainda há muitos jovens que têm dificuldade em seguir os sonhos porque a pressão dos pais é enorme.
Se pensarmos em objetivos e propósitos: quando coloca este livros nos escaparates, qual o seu maior propósito?
Eu sigo sempre os meus livros . Vou a apresentações, conferências, conversas ao longo do ano onde pretendem que eu esteja. O que pretendo é mesmo isso. Seguir o rasto do livro, estar com os leitores. Quando acabo o livro nunca digo: Não quero mais ouvir falar disto. Está no mercado, agora é dos leitores, e para mim acabou. As pessoas que compraram os meus livros sabem que vou a todo o lado. Para a editora que me deu a oportunidade de escrever e editar um livro, isso também é importante. Faço-o com gosto, com prazer, e sem propósitos comerciais. Se vender bem e as pessoas gostarem, tanto melhor.
Uma mensagem final para convencer os leitores indecisos.
O livro é o objeto mais democrático que existe. Está sempre lá à nossa espera. Se estiver interessado em conhecer um romance com história, em vez de uma história romanceada, julgo que é a melhor mensagem que posso deixar.
Um romance com selo Planeta, com 336 páginas, à venda por 17,50 euros.







