Os australianos King Gizzard & The Lizard Wizard regressaram a Portugal, sete anos depois da sua passagem pelo festival Paredes de Coura.
Apesar de já terem actuado por cá uma mão cheia de vezes, esta era a estreia do conjunto de Melbourne em nome próprio, em território nacional. Lisboa respondeu ao apelo e o Coliseu dos Recreios encheu, para receber uma das mais fascinantes e versáteis bandas do rock contemporâneo, capaz de assumir diferentes facetas sonoras e de nos conduzir através de pinturas musicais de excelência.
Antes, porém, seria Etran de L’Aïr o primeiro conjunto a pisar o palco do recreio lisboeta, aquecendo a plateia com o perfume dos sons do Sahel.
Etran de L’air
Natural do Níger, na África Ocidental, Etran de L’Aïr transporta, consigo, a cultura e as tonalidades sonoras da região do Sahel. O nome do grupo remete, aliás, para as montanhas de Aïr, sitas nas proximidades da cidade de Agadez. Esta não é a primeira vez que a formação africana actua em solo português, já que, em 2023, subiu aos palcos do festival SonicBlast, em Âncora, e do Centro Cultural e de Congressos das Caldas da Rainha, mas nunca antes havia tocado num cenário como o do Coliseu dos Recreios, em Lisboa.
A sala está repleta, à hora em que a banda sobe ao palco. Certamente, muitos estarão familiarizados com a discografia de Etran de L’Aïr e não querem perder a festa. Outros, quiçá, terão sido atraídos pelo facto de poder receber, em Portugal, um grupo que, aos nossos olhos, vem de paragens tão exóticas.
“Imouwizla” é a primeira canção que se faz ouvir e, rapidamente, o Coliseu é conquistado pelo “rock touareg” que exala do palco. Como que por magia, somos transportados para a região do Sahel, através da autoestrada de notas musicais que rasga o recinto. Sentimos o aroma da música africana, numa alquimia perfeita com a guitarra elétrica.
“Obrigado!”, vai agradecendo o vocalista, perante o entusiasmo do público.
Seguem-se “Toubouk Ine Chihoussay” e “Amidinine”. A indumentária escolhida pelos elementos do conjunto homenageia os trajes tradicionais da sua terra. Estamos no deserto, mas não de emoções. Dança-se, em transe, da plateia às galerias, passando por bancada e camarotes. Escutam-se palmas, a compasso.
“Everybody jump!”, incentiva o vocalista, quando começa o derradeiro tema. O Coliseu dos Recreios obedece, deixando-se imergir na melodia. No final, a enorme ovação que se escuta comove Etran de L’Aïr. “Thank you so much! Thank you for being here!”.
Nós é que agradecemos.
King Gizzard and the Lizard Wizard
Sete anos depois da sua derradeira passagem por Portugal, os australianos King Gizzard & the Lizard Wizard sobem ao palco do Coliseu dos Recreios, em Lisboa, sob enorme ovação. Este é o primeiro de três concertos consecutivos no recreio alfacinha, sendo, também, a estreia do conjunto de Melbourne em nome próprio, em território nacional.
A sala está cheia e a expectativa é grande. Afinal, espera-se por uma das mais fascinantes bandas do rock contemporâneo, conhecida pela sua versatilidade e ecletismo musical.
“What’s up, Lisbon?“, escutamos. “This is the first show of the tour!“, anuncia Stu Mackenzie, antes de se referir à primeira passagem por solo lusitano, há uma década, e de perguntar quem esteve presente, na altura. “It’s time to go!“, avisa-nos, enquanto soam os primeiros acordes de “Mars for the Rich”, a primeira de duas canções do álbum Infest the Rats’ Nest que iríamos escutar, ao longo do serão. De imediato, os crowdsurfers fazem-se às ondas sonoras.
Seguem-se “Converge” e “Witchcraft”, músicas do disco PetroDragonic Apocalypse; or, Dawn of Eternal Night: An Annihilation of Planet Earth and the Beginning of Merciless Damnation, editado em 2023. Por esta altura, já o caos tomou conta do Coliseu, gerando-se um enorme circle pit, cujo epicentro se encontra no coração da plateia.
“Thanks!“, agrade o Joey Walker, no final do tema. “This is a cookie dog song!“, continua, introduzindo-nos “Antarctica”, canção do Flight b741, o mais recente registo da banda e um dos mais revisitados da noite. A música transporta-nos para outros territórios. Depois da entrada explosiva, temperada pelo rock psicadélico da “land down under” e pela veia metaleira do conjunto australiano, a temperatura baixa, permitindo que respiremos um pouco. Agora, navegamos a onda blues, mas o entusiasmo não cessa. Ao longo do tema, durante aquilo que parecem ser autênticas jam sessions, o público vai oferecendo palmas e a banda retribui com teasers de algumas outras canções que, provavelmente, irão desfilar pelo Coliseu, nos próximos dias.
Depois de “Antarctica”, “Ice V”. Apesar do gelo ser o denominador comum, esta canção conduz-nos por um trilho psicadélico. King Gizzard & The Lizard Wizard demonstra quão versátil e eclética é a sua música. Este “lagarto”, que nos chega dos antípodas, assume a sua veia camaleónica, sem pudor .As palmas batem ao ritmo da melodia e Stu Mackenzie salta com a plateia, ao mesmo tempo que o grupo parece embarcar em nova jam session. Como se estivesse numa sala de ensaios. Quando os instrumentos se calam, escutamos um sentido “obrigado!”. Assim mesmo. Em bom português.
A próxima sequência leva-nos até ao Nonagon Infinity, obra de 2016. Os acordes iniciais de “Gamma Knife” são alvo de enorme ovação. O Coliseu canta, a uma só voz, e salta, como se a sua vida dependesse disso. No palco, Ambrose Kenny-Smith, homem dos mil-e-um instrumentos, abraça a sua harmónica e entrega-se a um estado catártico, enquanto, na plateia, observamos um conjunto de marinheiros de ocasião a sentar-se no chão e a remar com vigor, enfrentando a tempestade musical. Entretanto, sem que disso tivéssemos dado conta, entra em cena “People Vultures”, tema que funciona como uma espécie de continuação do anterior. Pelo meio, voltamos a ouvir referências sonoras a outras canções, algo que funciona como catalisador para a saudável loucura que vai alastrando pelo recinto. Depois, “Mr Beat” traz de volta uma tonalidade mais blues e uma certa serenidade. A vasta discografia dos australianos permite que se ande nesta constante montanha-russa.
Voltamos a enveredar pelo Flight b741 e “Daily Blues” ecoa pela sala, seguida por “Field of Vision”. O suor que emana da plateia forma uma nuvem de calor que deixa o Coliseu a pingar. Ninguém poupa uma gota de energia, incluindo os músicos, que, embevecidos pelo carinho que recebem do público, não param de nos agradecer. “I love you!”, escutamos.
“Boogieman Sam” introduz-nos Fishing for Fishes, álbum de 2019. Sem medo, damos a mão ao “papão”. No palco, Mackenzie ajoelha-se e presenteia-nos com um solo delicioso.
Na recta final, desaguamos em “Slow Jam 1”, canção que integra I’m in Your Mind Fuzz, registo de 2014. “I need to slow…“, canta o coro do Coliseu, esgotado, mas não rendido. Prova disso, a forma como se entrega à música que se segue. “Am I in Heaven”.
“Did you have a good time?“, pergunta-nos Mackenzie, numa altura em já se vislumbra o ponto final. “Anyone coming tomorrow?“. Desta vez, é Walker quem nos questiona. O grito afirmativo não deixa margem para dúvidas: muitos dos presentes fizeram questão de assegurar de que não faltarão a nenhum dos concertos de King Gizzard & The Lizard Wizard, durante esta residência de três dias, no Coliseu dos Recreios.
Entretanto, somos brindados com um solo de bateria, cortesia de Michael Cavanagh, e Mackenzie rapa o cabelo, com a ajuda de Walker e da plateia. O epílogo chega com “Self-Immolate”. Um regresso ao Infest the Rats’ Nest e a sonoridades mais pesadas. O circle pit renasce, mais furioso que nunca, e os momentos que antecedem o cair do pano são apoteóticos. “Lisbon, I love you!!“, voltamos a ouvir.
São estas as derradeiras palavras de King Gizzard & The Lizard Wizard. Porém, não é um “adeus!”, mas um “até já!”. Lisboa agradece e retribui: serão três noites de casa cheia, no Coliseu. Talvez esta pudesse tornar-se uma residência permanente…



















