Dois anos depois de ter encantado o público do Cool Jazz, Lionel Richie, lendário cantor e compositor norte-americano, regressou a território nacional, para dar corpo e alma à sua Say Hello to the Hits Tour, digressão que pretende celebrar os êxitos que marcaram cinco décadas de carreira. Este não foi apenas mais um concerto no calendário, mas um reencontro profundamente pessoal, quase íntimo, entre o músico e Portugal. Como uma carta lida em voz alta.
Antes de se tornar lenda, Lionel Richie era apenas um rapaz do Alabama, com um saxofone na mão e um mundo por descobrir. Começou por dar os primeiros passos nos Commodores, banda que, nos anos 70, ajudou a redefinir o Funk e a Soul Music, mas seria a solo que se destacaria como um dos grandes nomes da sua geração. Com mais de 100 milhões de discos vendidos e um Grammy conquistado, tornou-se símbolo de elegância e consistência artística. Um contador de histórias que não precisa de pressa, apenas de um piano, uma luz suave e corações dispostos a escutá-lo. Agora, é tempo de celebrar cinco décadas de carreira e um repertório de canções que ficará para a eternidade.
A abertura do espetáculo ficou a cargo de Paulo Gonzo. Num registo intimista, o músico português brindou o público com alguns dos seus clássicos. Canções que são já parte do nosso inconsciente colectivo. A plateia respondeu positivamente, num misto de respeito e gratidão, depois de um concerto que serviu para aquecer as hostes e preparar o ambiente para a atuação principal.

Lionel Richie
As luzes apagam-se e a banda sobe ao púlpito.
Enquanto se escuta um tema que serve de introdução, a enorme tela que enfeita o palco passa imagens da vida e da carreira daquele por quem todos aguardam.
Lionel Richie surge, enfim, por entre a névoa e à boleia de um elevador. Veste um elegante casaco branco, de aba de grilo, sobre um fato escuro. Traz consigo a serenidade e a elegância dos grandes artistas. “Hello” soa a cumprimento, mas é também o pontapé de saída para um serão de recordações. De imediato, o coro da Meo Arena entra em cena, dando uso às cordas vocais. “I love youuuu…”. As palavras que ilustram a canção ecoam pelo recinto e Lionel manda um beijo ao público devoto.
“Welcome to the show!“, cumprimenta o cantor. “Com’on, everybody!”, incentiva, assim que soam as primeiras notas de “Running With The Night”. A arena transforma-se num enorme salão de festas e não há quem fique sentado. Durante o solo, Lionel ensaia uns acordes de air guitar, mostrando estar numa forma invejável, apesar dos seus 76 anos.
“Is this Lisbon?“, pergunta, no final da música. “It’s hot!”, queixa-se, explicando que é natural do estado norte-americano do Alabama e que, apesar de habituado a lidar com temperaturas elevadas, sente o calor queimar-lhe a pele. Depois, anuncia que vão tocar muitas coisas, dos 70s aos 2000s, e senta-se ao piano.
Se os dois primeiros temas nos levaram até ao Can’t Slow Down, álbum de 1983, agora é tempo de visitar outro capítulo da carreira do artista. Durante os anos 70, Lionel emprestou a sua voz a Commodores, grupo de extrema importância, quando pensamos no cenário musical norte-americano, sobretudo no que toca ao Funk e à Soul Music. Foi enquanto membro do conjunto que Lionel Richie compôs “Easy”, canção que passeia pela sala, abraçando-nos, como uma velha conhecida.
O baile segue com “Penny Lover” e “Se La”, melodias que não podiam contrastar mais, entre si. Se a primeira soa a balada romântica, convocando bailarinos apaixonados, a segunda oferece-nos o perfume do reggae jamaicano, transportando-nos até aos quentes ambientes do Mar do Caribe.
“I can see what everybody is doing!“, avisa Lionel Richie. “One group is trying to stay cool and another one is trying to sing louder than me!“, atira, divertido, para gargalhada geral. Depois, observa que há quem tenha vindo apenas para impressionar o companheiro. “This one’s for you. It’s called Stuck on You.“. Canta-se a uma só voz. “Amazing, Lisboa!“, agradece o artista.
O piano volta a ser personagem principal, quando embarcamos em “Sail On”, mais uma canção do repertório de Commodores. No final, o cantor dissolve-se no fumo branco que inunda a atmosfera e abandona o palco, deixando a banda sob as luzes da ribalta. A ausência é breve e Lionel Richie não tarda a regressar. Cedendo ao calor humano, deixa o casaco para trás e entrega-nos “You Are”, enquanto vai apontando para cada um dos presentes. “You are the sun. You are the rain.”, canta.
“Brick House”, entrecortada por “Fire”, dá início a nova viagem pela discografia de Commodores. Labaredas irrompem. A Meo Arena é consumida pelas chamas, mas não derrete. “That was really hot!”, constanta Lionel, antes de se dirigir aos músicos que mais próximos se encontravam do fogo. Oscar Seaton, o baterista, confessa que o cabelo quase ardeu, ao passo que Chuckii Booker, o homem que se ocupa das teclas, tenta ensaiar algumas palavras em português, embora estas soem mais próximas de castelhano. “Three Times a Lady” e um medley, que inclui “Fancy Dancer”, “Sweet Love” e “Lady”, completam a sequência dedicada à banda que marcou o início da carreira de Lionel Richie. “Commodores, you all!“, relembra, antes de voltar a dedicar-se aos temas do seu trabalho a solo.
Chega “Truly”, tema retirado do homónimo Lionel Richie. Como que por magia, acendem-se milhares de luzes, da plateia aos balcões, e a melodia é enfeitada pelas vozes de todos aqueles que enchem a Meo Arena. Quando termina a canção, o nosso cicerone deixa-se ficar por ali, na frente de palco, de braços cruzados e olhar embevecido. Distribui um número incomensurável de beijos e garante que, por ele, continuariam a tocar até o sol nascer.
“I had the pleasure to sing the next song with Diana Ross”, conta-nos Lionel, referindo-se a “Endless Love”. “For many years, I asked her to join me on stage“, continua. Por um instante, a sala sustém a respiração. Será que a cantora vai subir ao palco, abrilhantando, ainda mais, uma noite mágica? Não. Mas o momento não deixa de ser especial: “Ladies, please, be Diana, tonight, and sing with me!“.
Seguem-se “My Destiny” e “Dancing on the Ceiling”. Reabre-se a pista de dança e as cadeiras voltam a ficar vazias. “Lisbon, give yourself an applause!”, pede o artista.
Entretanto, um novo piano surge no palco, erguendo-se, altivo, sobre a plateia. Antes de se entregar ao seu fiel companheiro, Lionel exalta as qualidades de um bailarino que se encontra no público: “A 77 year old party animal! You’re killing it!“. Depois, o músico oferece-nos “Say You, Say Me” e os sorrisos da audiência dão lugar à nostalgia.

Na recta final, Lionel Richie agradece a todos aqueles que o têm acompanhado ao longo da carreira, sobretudo aos Commodores, pelas histórias que puderam partilhar, através das músicas que escreveram. E não esquece a multidão de fiéis seguidores que tem à frente. Fitando a plateia, observa pessoas de todas as idades e origens. Se aqui é assim, “what’s wrong with the world outside?”, medita. Está dado o mote para que ouçamos “We Are the World”, canção escrita em 1985, que contou com a participação de vários artistas, incluindo o próprio Lionel Richie. Voltam a acender-se as lanternas dos telemóveis, salpicando todos os lugares da Meo Arena com milhares de luzinhas. Canta-se em uníssono.
O epílogo chega ao som de “All Night Long (All Night)”. Para este momento final, o cantor veste um casaco verde, cujo brilho inunda o maior salão de festas de Lisboa. O momento é de festa e ninguém resiste a ensaiar uns passos de dança.
Quando cai o pano, é enorme a ovação, sendo esta apenas superada pela vontade generalizada de continuar na companhia de Lionel Richie. Das suas canções e das suas histórias.
O espetáculo passou à velocidade de um suspiro. Ainda há pouco ouvimos “Hello”… Can we stay “All Night Long”, Lionel?




















