O Parque Mayer, salão de festas da cidade de Lisboa, foi o espaço escolhido para acolher o regresso de Chico Bernardes a território nacional. Natural de São Paulo, o cantor, compositor e multi-instrumentista brasileiro cresceu numa família abençoada pelos dedos de Apolo e Hefesto, deuses associados à arte, mas soube voar sozinho. Depois do registo de estreia, editado em 2019, o músico lançou Outros Fios, os mesmos com que nos enredou, numa noite de primavera, no Cineteatro Capitólio.
“Boa noite!”, cumprimenta Chico Bernardes, quando sobe ao palanque do Capitólio. Depois, senta-se na cadeira que o aguarda, pacientemente, e pega na guitarra, com suavidade. “Enquanto Eu Estiver” e “Um Astronauta” são as primeiras canções que se fazem ouvir, sendo que ambas fazem parte do disco homónimo do artista, editado em Junho de 2019.
O timbre doce e melancólico que escutamos tem o condão de nos transportar, instantaneamente, para perto de Chico, como se o músico fosse uma lareira e nós estivéssemos dispostos em seu redor. A noite é quente, em Lisboa. Ainda assim, sentimo-nos atraídos pelo calor da voz que emana do palco.
“Muito boa noite!”. Chico volta a saudar-nos, pedindo, de seguida, um pouco de luz na sala, “para ver a carinha” de todos aqueles que a ocupam. “Como estão?”, pergunta. “Eu sou o Chico Bernardes e estou muito feliz por estar de volta a Portugal!”. Depois, conta-nos a história do “violão desaparecido”, na sequência das passagens por Barcelona e Londres, há uns dias, mas celebra o facto de este ter sido recuperado a tempo de participar no espetáculo.
“Vou cantar uma do novo disco.”, anuncia o cantor, enquanto toca os primeiros acordes de “Até que Enfim”. Durante a música, algo falha: “Esqueci!”, confessa Chico. Mas o público aplaude, incentivando-o a continuar. “Era algo sobre existência pessoal”, explica, por entre os sorrisos da plateia. “Não é só o violão que se atrasa. Algumas letras também ficam pelo caminho!”.
Entretanto, Chico Bernardes promove uma sondagem. “Quem veio aos shows de 2020?”, interroga. A resposta deixa-o surpreendido. “Uau! Tanto público novo!”, exclama, anunciando, de seguida, que vai tocar outra do primeiro disco. “Chama-se Distante.”, diz, enquanto nos sentimos cada vez mais próximos. Quando toca o último acorde do tema, levanta-se e dirige-se ao piano. “Vou ali à padaria. Alguém quer alguma coisa?”, brinca, antes de se entregar a “Motivo”, outra das novas canções. Segue-se “Metades Minhas”, música em que volta a enganar-se, ainda que ninguém tenha dado por isso. “Oh, meu Deus!”, lamenta. “Há algum tempo que não toco piano e há notas que ainda estão chegando. Se não vierem a tempo, estão no disco!”.
Voltamos ao registo homónimo. “Gravei este tema no violão, mas decidi experimentá-lo com o piano.”, explica Chico. “Chama-se Me Encontrar”.
“Quando eu me encontrar, vai ser bom demais…”. A melodia deixa-nos em transe. Depois, o nosso cicerone regressa à guitarra, enquanto conta que tentou despachar o piano no avião, “mas não cabia!”.
“Vocês são muito quietinhos.”, observa o cantautor. “A turma do Music Box fazia mais barulho!”, diz, divertido, referindo-se ao concerto que deu naquele espaço, em fevereiro. “Deve ser dos copos, como dizem aqui!”, graceja. Entretanto, fala-nos da tour em que se encontra e confessa que Barcelona foi complicado: “Não falo espanhol!”. Talvez por isso tenha composto uma canção na língua de nuestros hermanos, “Todacor”, prevendo “o portunhol malandro” que iria praticar na cidade condal. Na sequência, ouvimos “Outros Fios”, a música que dá nome ao álbum que editou em junho do ano passado.
“Tudo o que vai retorna, por outros fios, em risca nova.”, escutamos.
“Quem já ouviu o novo disco?”, pergunta Chico Bernardes. “Tem arranjos diferentes dos do espetáculo ao vivo. Gravei em casa e foi a minha grande jornada como produtor musical.”, explica. “O estúdio é um ambiente fechado. É bom sair com o violão e voltar para o formato inicial das coisas. Regressar às origens. À canção decomposta.”, medita. “Esta, do novo álbum, fica irreconhecível, ao vivo. Mudou de roupa!”. E ficamos com “Inerte”.
A verdade é que a experiência musical a que somos sujeitos é totalmente diferente daquela que teríamos se estivéssemos em casa, a ver o disco rodar. Cada um dos temas que escutamos parece ganhar uma nova personalidade. Mais crua. Mais honesta.
Agora, encontramo-nos em frente a “O Espelho”, objeto que vai “refletindo e desenhando o contorno de outro alguém”, sem que tenhamos controlo sobre ele. Depois, ouvimos algo que o multi-instrumentista compôs entre os dois álbuns, mas que nunca gravou. “Tentei, mas descobri que algumas canções ficam flutuando por aí, eternamente. Vou tocar essa versão perdida, para vocês!”. Fala do riacho que corre dentro de si: “achei todo o mundo lá dentro e nem uma mágoa o secou”, canta.
Antes de anunciar que estamos perto do final, Chico não deixa de agradecer a todos aqueles que estiveram envolvidos no espetáculo. “E a vocês, que são um público novo!”, diz, lembrando que grande parte da audiência está a vê-lo pela primeira vez.
Nova caminhada até ao piano é feita sob enorme ovação. Porém, o silêncio regressa, assim que as teclas começam a dançar, ao ritmo das palavras que vão sendo cantadas. “Sonho Meu” é a melodia que invade todos os cantos do Capitólio.
“Obrigado!”, agradece o cantor. “Fiquei sem perceber se querem um bis… Querem?”, pergunta. A plateia responde, em uníssono, não deixando margem para dúvidas. Quer mais. “Já que estamos aqui e que eu fiz todo o caminho desde o Brasil, porque não tocar, não é?”, atira Chico. “Sem Palavras” é o tema que se segue. Uma espécie de constatação lógica daquilo a que vamos sentindo.
“Já fiz o bis”, constata o artista, quando regressam as palavras. “Agora, vou ter que fazer o bis do bis!”. “Ode à Perfeição” é a canção que encerra o concerto. Também poderia ser a frase definidora daquilo a que acabámos de assistir.
Enquanto caminhamos pelo Parque Mayer, depois do cair do pano, tentamos desenvencilhar-nos d’Outros Fios. Aqueles que nos enredam. Não será fácil…



















