Com um novo disco no bornal, numa altura em que celebram os 35 anos do álbum Doolittle e prestes a completar quatro décadas de carreira, os norte-americanos Pixies voltaram a encher o Campo Pequeno, proporcionando-nos uma noite de rock “à antiga” e reforçando os alicerces da estreita relação que os une ao público nacional. Antes, porém, as honras de abertura couberam aos britânicos The Pale White, formação originária de Newcastle upon Tyne.
The Pale White
A banda sobe ao palco ao som do clássico “A Whiter Shade of Pale”, música lançada em maio de 1967, pelos ingleses Procol Harum. Imediatamente, sentimos que a escolha não é ao acaso e que está criada a atmosfera para os minutos que se seguirão.
Entretanto, o baixista Dave Barrows e os irmãos Adam (voz e guitarra) e Jack Hope (bateria) abraçam os respectivos instrumentos e oferecem-nos “Lost in the Moment”, o tema de abertura do seu mais recente registo. No final da canção, Jack pede palmas e Adam dirige-se à plateia, perguntando como está Lisboa. “We are The Pale White, from Newcastle, England!”, apresenta, antes de se entregar a “I’m Sorry (This Time)”, música que arranca o primeiro grande aplauso do serão. “Thank you!”, agradece o vocalista. “This is the last show of the tour, by the way.”, anuncia, explicando, de seguida, que o alinhamento que prepararam para esta noite é integralmente composto por temas do novo disco, The Big Sad, editado em abril.
O “branco pálido”, com que se definem, não é mais do que uma antítese daquilo a que assistimos: rock, indie e alternativo, temperado com inebriantes solos de guitarra e bateria e algumas tonalidades que remetem para um ambiente desert/stoner.
Seguem-se “My Abacus”, “Real Again” e “Trapped in the Vacuum” e voltamos a escutar Adam Hope: “Have you ever heard of Pale White before?”, pergunta. Talvez não, mas a verdade é que o público absorve cada nota com sofreguidão, mostrando apreciar as melodias que vão inundando a sala.
Na recta final, ficamos na companhia de “Nostradamus” e terminamos com “The Last Exit”, mas esta “saída” é apenas um ponto de partida para futuras visitas: “Thank you so much! We will return to Lisbon!”, promete o cantor, visivelmente satisfeito com o carinho que recebe da audiência, sob a forma de uma calorosa e merecida ovação.
Pixies
Passaram-se pouco mais de dois anos sobre a última visita de Pixies a Portugal, sendo que o cenário fora, precisamente, o espaço em que nos encontramos. Demasiado tempo, diríamos, tendo em conta os níveis de ansiedade que emanam dos corpos que enchem o Campo Pequeno. Porém, a expectativa é compreensível. A banda tem um novo disco no bornal, ao mesmo tempo que celebra os 35 anos do álbum Doolittle e está prestes a completar quatro décadas de carreira. Estes dados parecem constituir a perfeita panóplia de ingredientes para cozinhar uma noite que se prevê memorável!
“Cecilia Ann”, um original dos The Surftones, é a primeira canção interpretada pelos Pixies. A música foi incluída no álbum Bossanova, de 1990, o mesmo de onde sai o tema seguinte, “Down to the Well”. De imediato, escutamos mais uma cover, “Head On”, dos escoceses The Jesus and Mary Chain, e damos o primeiro mergulho no aniversariante Doolittle, através das ondas sonoras de “Wave of Mutilation” e “Monkey Gone to Heaven”.
As canções sucedem-se sem interrupções, num fluxo contínuo. As palavras que ouvimos da boca de Black Francis são apenas as que ilustram cada uma das músicas. Não há discursos ensaiados ou falsas cortesias. A arte pela arte. Uma imagem de marca dos concertos de Pixies.
Entretanto, chega “In Heaven (Lady in the Radiator Song)”, tema composto por Peter Ivers, em 1977, para o filme “Eraserhead”, de David Lynch, sendo que a letra foi escrita pelo próprio Lynch. Esta é a primeira oportunidade de escutar a voz de Emma Richardson, baixista que substituiu a argentina Paz Lenchantin, há um ano.
Voltamos ao Doolittle e ficamos com “La La Love You” e “Here Comes Your Man”, clássico que provoca a primeira grande explosão no Campo Pequeno. Canta-se em uníssono, do palco às galerias, passando por plateia, bancada e camarotes. De repente, somos transportados para o início da década de 90. Muitos são aqueles que fazem uma viagem instantânea à primavera da vida. Outros, porém, ainda na flor da juventude, mostram que a obra é intemporal e que continua a ser apreciada, três décadas e meia depois de ter sido concebida.
Depois da tempestade sonora, a bonança. “Mercy Me” é a primeira canção de The Night the Zombies Came que se faz ouvir na noite lisboeta. O álbum foi editado em outubro do ano passado e justifica, também, ser alvo de destaque. Quando a música termina, palmas ecoam pela arena, mas são imediatamente abafadas pela bateria de David Lovering, à qual se junta o baixo de Richardson, marcando o ritmo. A seguir, entram em cena a guitarra de Joey Santiago e a voz de Francis. É desta alquimia perfeita que surge “Gouge Away”, um dos mais populares temas de Pixies, que, ainda hoje, 35 anos depois de ter sido forjado, tem o condão de transformar a arena em que nos encontramos num vulcão em ebulição. A erupção continua com “Hey”. Canta-se a uma só voz. Até que esta doa.
O coro do Campo Pequeno não tem um segundo de descanso, acompanhando a banda em nova incursão por Bossanova. As melodias de “Velouria”, “Havalina” e “The Happening” invadem todos os cantos da sala. O público canta e dança, como se a sua vida dependesse disso, entregando-se à liturgia musical celebrada pelo conjunto de Boston. Depois, abandonamos os anos 90 e regressamos aos dias de hoje. The Night the Zombies Came. “Chicken” oferece-nos um momento para respirar, embalados pelo fantástico solo de Santiago. “Jane” prolonga o estado de acalmia sonora, ao passo que “Motoroller” nos vai preparando para nova passagem por Doolittle: escutamos a furiosa “Tame”, canção que promove um autêntico estado de loucura na sala e que é brindada com uma enorme ovação. Na sequência, “Subbacultcha” permite-nos recordar o álbum Trompe le Monde, de 1991, e “Caribou” faz-nos recuar ainda mais no tempo, já que a música saiu em 1987, com o Come On Pilgrim, registo de estreia de Pixies.
Até que, finalmente, desaguamos em Surfer Rosa, obra de 1988, ainda não revisitada. “Cactus” e “Bone Machine” são os temas escolhidos, sendo que, pelo meio, “Debaser” e “Dig for Fire” funcionam como achas para a fogueira, incendiando, ainda mais, a audiência.
“Hope everything is alright!”, canta Black Francis, enquanto se escutam os acordes iniciais da próxima canção. À primeira vista, o aroma que emana da guitarra possui notas de reggae, mas rapidamente a música envereda por outros caminhos. É “Mr Grieves” quem nos acompanha. Contudo, sem que disso tivéssemos dado conta, aparece “Nimrod’s Son”. Quase perdemos o fôlego, depois das voltas que já demos, nesta montanha-russa de emoções, mas o pulmão do Campo Pequeno ainda encerra uma reserva de energia, para enfrentar a recta final.
Por fim, o epílogo. Assim mesmo, de repente e sem encore. Uma imagem de marca de Pixies. Chegar, tocar e sair. Poucas palavras. Muita música.
“Where is My Mind?”, clássico de 1988, chega para colocar a arena numa espécie de transe. Palco e plateia fundem-se, num só corpo. A banda toca e o público canta. Dança-se. “Into the White” é o último tema que escutamos. Um regresso ao “branco pálido” que marcou o início do espetáculo. Mais uma vez, este branco não é mais do que uma figura de estilo, sob a forma de antítese. Aquilo a que assistimos não poderia ser mais colorido. Uma noite de rock à antiga.
“Where is our mind?”, perguntamos, enquanto abandonamos o recinto. Provavelmente, encarcerada em cada um dos instrumentos que nos embalaram, ao longo da noite.


















