Primavera Sound Porto 2025 Arrancou Com Força, Com Charli XCX E Fontaines D.C. No Centro Das Atenções

Reportagem de Tânia Fernandes (texto) e António Silva (fotografia)

FONTAINES DC
Fontaines D.C. Primavera Sound Porto 2025 ©Hugo_Lima

O Parque da Cidade do Porto encheu-se ontem, logo a meio da tarde, com milhares de pessoas decididas a não perder um minuto do primeiro dia de Primavera Sound Porto. O ambiente era de entusiasmo generalizado e, para quem percorresse o recinto com atenção, bastava observar as t-shirts dos festivaleiros para perceber qual era o grande debate do dia: Charli XCX ou Fontaines D.C.?

Se uns vinham vestidos com merch recente da artista britânica e falavam de Brat como o álbum pop do ano, outros optavam pelo preto e branco com letras dos irlandeses estampadas ao peito e citavam versos de A Hero’s Death. O contraste não podia ser mais evidente — e mais interessante. Entre o brilho da pop hiper-produzida e a crueza do pós-punk politizado, estava tudo preparado para uma noite de confrontos estéticos e musicais, ainda que pacíficos.

Este tipo de ambiente no público do Primavera Sound Porto é um dos sinais de vitalidade deste festival: mais do que um alinhamento cronológico de concertos, há linhas narrativas que atravessam o dia, preferências que se tornam visíveis nos detalhes e escolhas que antecipam o que se discute à saída. E ontem, tudo apontava para esse duelo: quem dominaria a noite? A pop nervosa e provocadora de Charli ou a tensão eléctrica dos Fontaines? As opiniões dividiram-se, mas o festival — esse — saiu a ganhar.

Tulipa Ruiz 

A tarde começou com a atuação da brasileira Tulipa Ruiz, no palco Porto. Uma artista multifacetada: voz única, ponto de encontro entre música e imagem com raízes profundas num Brasil do interior.

Acompanhada por banda, apresentou temas do seu repertório já conhecido — incluindo faixas de Efêmera (2010) e Dancê (2015) — mas também canções mais recentes, num espetáculo em que sobressaíram a voz expressiva e a comunicação descontraída com o público.

Sem grandes artifícios cénicos, Tulipa apostou na simplicidade do formato concerto, equilibrando canções dançáveis com momentos mais introspectivos. O público, ainda a chegar ao recinto, ia-se distribuindo frente ao palco.

Despediu-se com um efusivo “Viva vocês!” que fez eco por todo o Parque da Cidade e fechou a sua atuação com “Só sei dançar com você”. Um momento que fez com que todos se sentissem parte de uma grande coreografia coletiva.

Momma

Depois da leveza e da doçura deixadas por Tulipa Ruiz no palco principal, seguimos para o palco Revolut, onde a energia se fez sentir de imediato com a entrada dos Momma, banda norte-americana de indie rock oriunda de Calabasas, Califórnia, atualmente sediada em Brooklyn, Nova Iorque.

Formada por jovens músicos na casa dos vinte anos, a banda apresentou uma atuação intensa e coesa, com guitarras afiadas e uma presença em palco confiante. Comunicativos e visivelmente entusiasmados, dirigiram-se várias vezes ao público, partilhando impressões sobre a cidade do Porto, por onde andaram a explorar antes do concerto. Mostraram-se rendidos aos encantos da cidade, destacando o vinho e, sobretudo, as pessoas “Everyone is really nice here!”.

Num mar de gente que ocupava todo o espaço diante do palco Revolut, os Momma agradeceram efusivamente a presença de quem ali estava tão cedo. “Obrigada por terem vindo tão cedo. Temos mais uma”, disseram, antes de encerrar a atuação com “Speeding 72”, um dos temas mais emblemáticos da banda, que pôs o público a vibrar até ao último acorde.

Com esta atuação, os Momma deixaram bem claro que são uma das promessas mais sólidas da nova geração do indie rock. E sim, estavam tão entusiasmados quanto nós: “Obrigado. Excited for the rest of the weekend?” – lançaram, sorridentes, para o público, que respondeu com aplausos e energia redobrada.

Christian Lee Hutson

Às 17h40, foi a vez do norte-americano Christian Lee Hutson subir ao palco Vodafone. Membro da cena folk alternativa de Los Angeles, o músico apresentou-se com guitarra acústica, interpretando temas dos álbuns Beginners (2020) e Quitters (2022), com destaque para “Rubberneckers” e “Northsiders”.

Christian Lee Hutson
Christian Lee Hutson

O ambiente intimista contrastou com a escala do palco, mas funcionou como uma transição suave para o início de tarde.

Dehd

O palco Porto do Primavera Sound encheu-se de tons crus e melódicos às 18h40, com a atuação dos Dehd, trio norte-americano oriundo de Chicago composto por Emily Kempf, Jason Balla e Eric McGrady. A banda apresentou temas do novo disco Poetry, editado em 2024, e manteve fielmente a estética lo-fi que os distingue desde os primeiros registos.

Abriram com “Blue Skies”, interpretada a duas vozes — Emily e Jason — em registos distintos que, apesar da diferença de tom, se entrelaçam com grande naturalidade. O resultado é uma harmonia que, sem ser polida, transmite autenticidade e intensidade emocional. Em palco, a presença da banda foi discreta: sem grandes efeitos visuais ou produção cénica, deixaram que fosse a música — crua, direta, por vezes desconcertante — a falar.

A sonoridade dos Dehd cruza o dream-pop e o pós-punk, sentem-se as fortes raízes no indie rock mas tem uma estrutura assumidamente minimalista. Jason Balla extrai sons rasgados da guitarra, enquanto Emily Kempf se entrega às linhas de baixo e à voz com uma energia contida mas potente. Eric McGrady, sempre em pé atrás de uma bateria reduzida ao essencial, mantém o ritmo sem floreados.

A meio do concerto, os Dehd largaram alguns dos seus trunfos — uma estratégia habitual em festivais, onde as bandas procuram prender a atenção de um público que muitas vezes circula entre palcos e atuações. Assim, tocaram “Bad Love”, um dos temas mais conhecidos do grupo, e “Flood”, imediatamente seguida por “Empty in My Mind”. O alinhamento foi construído com inteligência, combinando canções mais conhecidas com faixas do novo álbum, como “No Difference” e “Light On” — esta última arrancou reações mais efusivas, com braços no ar e algum movimento no público, até então contido mas atento.

Glass Beams

Voltámos ao palco Vodafone para um registo completamente diferente — quase oposto na linguagem sonora e na proposta estética. O trio australiano Glass Beams subiu ao palco às 19h40, para um concerto totalmente instrumental, envolto em atmosferas psicadélicas e profundamente hipnóticas.

Com influências evidentes do rock psicadélico dos anos 70, mas também da música tradicional indiana, os Glass Beams optaram por um posicionamento introspectivo, quase cerimonial, em que o foco recaiu inteiramente na construção de texturas sonoras e na progressão rítmica. As composições assentam na repetição de motivos melódicos e na sobreposição gradual de camadas instrumentais, criando uma experiência auditiva imersiva e meditativa.

O alinhamento incluiu faixas do EP Mirage, editado em 2021, que continua a ser o cartão de visita mais reconhecido da banda, mas foi também pontuado por composições mais recentes, ainda não reunidas em álbum. A atuação foi marcada por um grande rigor técnico e por uma estética visual muito própria: os músicos apresentaram-se com túnicas e máscaras douradas, ocultando por completo a sua identidade. Este anonimato propositado reforçou o carácter ritualístico do espetáculo e colocou a música — e não os intérpretes — no centro da atenção.

A ausência de comunicação verbal ou de gestos direccionados à audiência não compromete o envolvimento do público que se deixa levar e dança, de forma livre. Num festival com uma programação tão variada, os Glass Beams ofereceram uma pausa sensorial, um momento de contemplação onde a repetição se transforma em linguagem, e onde o som assume contornos quase espirituais.

Fontaines D.C. com novo álbum e discurso político sem rodeios

Os Fontaines D.C. subiram ao palco Porto pelas 20h50 e trouxeram consigo o peso da sua identidade sonora e a contundência do seu discurso. A banda irlandesa, que conquistou o público internacional com o álbum Dogrel em 2019, voltou ao Porto para apresentar algumas das novas canções de Romance, o quarto disco de estúdio, editado este ano.

Desde o primeiro momento, o vocalista Grian Chatten impôs a sua habitual postura intensa, concentrada, sem grandes concessões ao espetáculo no sentido clássico. Os temas sucederam-se com poucas pausas e a comunicação com o público aconteceu, sobretudo, através da música e de projeções visuais carregadas de mensagem. Entre elas, destacaram-se frases políticas associadas ao conflito israelo-palestiniano, como “Israel está a cometer genocídio. Usem a vossa voz”, acompanhadas de imagens e símbolos que ampliavam o impacto das palavras. Ao meio do palco, uma bandeira da Palestina esteve sempre visível — e, já perto do final, os ecrãs faziam uma declaração direta: “Free Palestine”.

O alinhamento do concerto cruzou canções emblemáticas do repertório dos Fontaines D.C. com as novidades de Romance. “Televised Mind”, “Big”, “A Hero’s Death” e “I Love You” foram recebidas com entusiasmo por uma plateia que sabia ao que vinha. Houve ainda espaço para “Roman Holiday”, “Jackie Down The Line”, “In the Modern World” e “Favourite”, este último apresentado com os corações da capa do novo álbum a surgirem nos ecrãs, primeiro a coroar cada elemento da banda e depois o próprio público.

Chatten veio várias vezes à passadeira central no meio do recinto, aproximando-se fisicamente do público sem nunca abandonar a intensidade emocional que o caracteriza. Mais à frente, em “Boys in the Better Land”, arrancou a cantar ao ritmo da pandeireta, acelerando o ambiente para uma das explosões de energia da noite. Neste tema, a iluminação do palco, que alternou entre verde, branco e laranja — as cores da bandeira irlandesa —, a reforçar o orgulho nas origens da banda.

A atuação terminou em apoteose, com toda a gente a saltar ao som de “Starbuster”, novo tema que aponta o caminho para a fase seguinte dos Fontaines D.C.: mais politizados, mais coesos, mas ainda profundamente ligados às raízes do pós-punk.

Anohni and the Johnsons

Já sem luz do dia, Anohni and the Johnsons subiram ao palco Vodafone para um dos concertos mais contemplativos do dia, mergulhando o público num estado quase meditativo. Com um alinhamento centrado nas canções do mais recente disco, My Back Was a Bridge for You to Cross (2023), a artista apresentou um espetáculo com forte componente emocional, apoiado por uma formação instrumental que incluía piano, sopros e cordas — numa estética próxima da música de câmara.

A performance foi marcada pela contenção e pelo foco absoluto na voz de Anohni, que se manteve comedida nas interações com o público. Temas como “It Must Change” e “Why Am I Alive Now?” foram interpretados com um peso emocional notável.

O espetáculo foi pontuado por projeções cuidadosamente escolhidas. Anohni recorreu a imagens recolhidas há poucas semanas na Austrália, que serviram de pano de fundo simbólico e amplificaram a dimensão ambiental das suas canções. A combinação entre a voz penetrante, os arranjos minimalistas e o silêncio respeitador da audiência transformou o concerto num momento de profunda introspecção coletiva.

Charli XCX 

Com grande pontualidade, Charli XCX subiu ao palco Porto do Primavera Sound, no Parque da Cidade, às 23h55, para apresentar Brat, o seu novo álbum de estúdio. A artista britânica trouxe um espetáculo centrado na estética digital que marca esta nova fase da sua carreira, com visuais projetados em ecrã e coreografias que acompanharam a pulsação das faixas.

Num concerto sem grandes mudanças cénicas, Charli optou por um alinhamento fluido, com transições quase ininterruptas entre as canções, o que deu ao espetáculo um ritmo de clubbing, próximo do espírito das pistas de dança. “Von Dutch” e “360”, dois dos singles mais recentes, marcaram o início da atuação e serviram de cartão-de-visita para o universo sonoro de Brat, onde o pop se funde com influências eletrónicas e uma atitude provocadora.

O público, maioritariamente jovem e entusiasta, reagiu com energia desde os primeiros beats.

Esta sexta-feira as portas do Primavera Sound Porto voltam a abrir para as seguintes atuações:

Palco Porto: The BLKBRDS; Waxahatchee; Michael?Kiwanuka; Central Cee
Palco Vodafone: Anavitória; TV On The Radio; Beach House; Deftones
Palco Revolut: A Garota Não; Los Campesinos!; Liniker; Denzel Curry
Palco Super Bock: Klin Klop (live); Been?Stellar; Aminé; Chat Pile; Fcukers

Ainda há bilhetes à venda nos locais habituais, pelo valor de 75 euros.

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