Três décadas depois de terem iniciado atividade, os Skunk Anansie embarcaram numa nova digressão pela Europa, convocando todos aqueles que viveram a adolescência, ou a entrada na maioridade, entre o final dos anos 90 e os primeiros anos do novo milénio.
Lisboa não faltou à chamada, depois de, na noite anterior, os britânicos terem dado o pontapé de saída da viagem pelo Velho Continente no Coliseu do Porto: o Campo Pequeno encheu e comprovou, in loco, que os londrinos continuam em boa forma. Mais que isso, Skin, Ace, Cass e Richardson mostraram que, mesmo depois de um longo hiato, entre 2001 e 2009, conseguiram reinventar-se, sem perder a sua essência, conquistando novos admiradores, mesmo que, olhando em redor, predominasse a faixa etária entre os 40 e 50 anos. A nossa.
Antes, porém, a abertura de hostilidades esteve a cargo de So Good, banda que dá os primeiros passos e que caracteriza o seu som como “ignorant brat pop”. “If We Had A”, “I Hate it Here” e “Hate” foram alguns dos temas que pudemos escutar, ao longo de 25 minutos. Os ingleses procuraram entreter o público, entregando-se a cada uma das músicas como se fosse a última e ilustrando a sua atuação com inúmeras coreografias, mas o que as gentes queriam era Skunk Anansie, pelo que as palmas só deixaram de ser tímidas na reta final da performance.
Pouco passa das 22h00, quando Ace (guitarra), Cass (baixo) e Mark Richardson (bateria) sobem ao palco do Campo Pequeno, sob a intensa chuva de aplausos de todos aqueles que esgotam a praça lisboeta, mas é no momento em que surge a carismática Deborah Anne Dyer, ou Skin, que “a casa vem abaixo”. “This Means War” é a canção escolhida para abrir o espetáculo. A música foi escrita no Verão de 2019, durante a tour de celebração dos 25 anos de carreira da banda, e, desde então, tornou-se numa das favoritas do público, não deixando de fazer parte dos alinhamentos.
Ainda sentimos as últimas notas de “This Means War” a ecoar pela sala, quando entra em cena “Charlie Big Potato”, um dos temas mais populares do conjunto britânico e o primeiro single extraído do incontornável Post Orgasmic Chill, disco editado em 1999. Na altura, a obra trouxe uma mudança na sonoridade da banda, ao mesmo tempo que atingia, de forma certeira, o coração de milhões de adolescentes, um pouco por todo o mundo. Os mesmos que, um quarto de século depois, enchem o Campo Pequeno, revivendo a “primavera da vida” e cantando, a uma só voz, “a lone brother…a lone sister…”. Palco e plateia são um só corpo.
Tell it like it is! Tell the sordid truth!.
Prestes a completar 58 anos, a voz de Skin parece mais poderosa que nunca, transpirando, como poucos, as emoções que emanam da canção.
Entretanto, avançamos 10 anos no tempo, ainda que continuemos no passado. Estamos em 2009 e escutamos “Because of You”. Os primeiros acordes funcionam como catalisador, para que as palmas brotem da audiência, ao ritmo das cordas de Ace, primeiro, e da secção rítmica, depois. “Lisboa! Obrigada…” agradece Skin, visivelmente satisfeita com a reação do público.
Continuamos com “Love Someone Else”, canção de 2016, e “I Can Dream”, um regresso ao álbum Paranoid & Sunburnt, de 1995, época em que se encontram alicerçadas as raízes da formação londrina. Ao mesmo tempo que conduz a performance da audiência, qual maestrina, Skin desce do palco e imerge no mar de gente que inunda a plateia. “Schhh… Get down!”, ordena a cantora, com uma voz tão doce quanto imperativa. Entretanto, caminha até à mesa de som, sobe uma vedação e mergulha sobre a mole humana, que a conduz, de volta, ao local onde pertence. Sob as luzes da ribalta.
Segue-se “I Believed in You” e uma primeira pausa para respirar.
“We have been around for 30 years…”, medita Skin. “One of the first songs we wrote was Little Baby Swastikkka”, continua, referindo-se a uma das músicas que ouviríamos mais tarde. “It talks about the rise of fascism”, explica, pedindo a Lisboa que se erga contra ideologias extremistas e intolerantes.
Ouvimos “God Loves Only You” e desaguamos em “Secretly”, um dos temas mais queridos pelos fãs de Skunk Anansie. Depois, nova passagem pelo Paranoid & Sunburnt, o álbum mais revisitado da noite. “This is an old song”, anuncia Skin, antes de se entregar a “Weak”, ao colo do Campo Pequeno.
Quase uma década depois do seu último registo de longa-duração, Skunk Anansie tem um novo disco, prestes a sair da forja: chama-se The Painful Truth e tem edição prevista para Maio, pelo que a banda não poderia deixar de aproveitar para nos oferecer algumas das novas canções. “An Artist is an Artist” foi a primeira a desfilar, sendo que, mais tarde, ainda seríamos contemplados com “Animal” e “Cheers”.
“Are you ready to dance?”, pergunta Skin. E ficamos com “Twisted (Everyday Hurts)”, mais um clássico. Contagiados pela energia da cicerone, ninguém poupa uma gota de suor, saltando e aplaudindo, da plateia às galerias, passando por bancada e camarotes. “My Ugly Boy” é dedicada a todos aqueles que “estão numa relação” e “It Takes Blood & Guts to be this Cool but I’m Still Just a Cliché” transporta-nos de volta aos anos 90. Afinal, é disto que é feito o espetáculo que estamos a viver: uma constante viagem no tempo, pela história de uma banda que soube reinventar-se e manter-se relevante, sem perder a sua essência.
Segue-se “Piggy”, single de 2022, e o simpático porco, estilizado com o logo de Skunk Anansie e maquilhagem a condizer, não deixou de comparecer à festa, aguardando, bem comportado, à esquerda do palco, até que chegasse a hora de vestir a pele de personagem principal.
“Who remembers this one?”, questiona Skin, assim que soam as primeiras notas de “Intellectualise my Blackness”. Na sequência, “Yes It’s Fucking Political”. Dois temas que deixam bem vincadas a luta e as convicções de Skunk Anansie, um grupo que tem como vocalista uma mulher negra. Um grão de areia no deserto. Entretanto, a cantora abandona o palco, enquanto os seus companheiros terminam a última canção. Mas não é um ponto final.
A enorme ovação que se faz ouvir obriga a um encore, mesmo que este não estivesse previsto. E é ao som de “Hedonism (Just Because You Feel Good)” que Deborah, ou Skin, regressa, acompanhada pelo coro do Campo Pequeno. “Obrigada!”, agradece a britânica, em bom português, enquanto fita, embevecida, os seus devotos seguidores.
The Painful Truth, volta a ser chamado à colação, para introduzir “Cheers”, o mais recente single de avanço do álbum. Apesar de não se lembrar em que dia da semana estamos, Skin não se esquece de como incendiar a plateia, fazendo questão de garantir que a temperatura da sala não desce. “Cheers!”, brinda, erguendo a sua bebida. Quando os instrumentos se calam, pergunta se gostámos e sugere que, ao invés de utilizarmos os serviços de streaming, entremos numa loja, inspiremos a atmosfera e compremos um disco.
“Ace, give me a riff!”, pede a cantora. De seguida, apresenta cada um dos elementos da banda, terminando com “my name is Skin!”. Agradece a So Good, conjunto que os acompanhará ao longo da tour europeia que agora começa, e ao público, pelo apoio incondicional.
Ainda há tempo para escutar “Little Baby Swastikkka”, momento em que Skin volta a descer à plateia, cantando e saltando com o seu povo. “We love to play in Portugal!”, despede-se Skin. “Thank you for supporting us for 30 years!”.
O epílogo acontece ao som de “You’ll Follow Me Down”, em formato acústico e depois de mais uma saída de palco. Quando desce o pano, o Campo Pequeno está enfeitado por milhares de luzinhas e pelo timbre das vozes que enchem a praça.
Duas horas depois do início do concerto, ainda escutamos as últimas palavras de Skin.
You’ll Follow Me Down.
Seguiremos.



















