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30 anos De Tara Perdida, Em Alvalade – Regresso À Casa Mãe

Por Diana Silva (fotografia) e João Barroso (texto)

Tara Perdida

Em junho de 1995, algures em Alvalade, João Ribas, Ruka (Rui Costa), Cró (Vítor Matos) e Oregos (Hélio Moreira) ensaiavam pela primeira vez, lançando aqueles que seriam os alicerces de Tara Perdida, banda que se viria a tornar num nome incontornável, dentro do cenário Punk Rock nacional.

Três décadas depois, o grupo juntou-se na República da Música, no seio do bairro que os viu nascer, para celebrar um percurso marcado por perdas e resiliência, mas, sobretudo, pela música. Uma voz irreverente e desalinhada, que soube crescer a pulso e conquistar diferentes gerações. Para abrilhantar a festa, neste regresso à casa mãe, um seleto rol de convidados foi convocado, incluindo nomes que se cruzaram com a banda, ou com João Ribas, ao longo dos últimos 30 anos.

A hora marcada já lá vai, há algum tempo, e o povo não está sereno. Sente-se a impaciência no ar. Porém, a ansiedade serve de catalisador para que as vozes se unam: “batata frita pala pala é uma tara de sabor”, canta, em uníssono e de forma espontânea, o público que enche a República da Música. Depois, clama por Tara Perdida. 

O coro está afinado.

Atendendo ao chamamento, a banda sobe ao palco.

Ruka entra em cena com um pensativo cigarro. Em 2014, quando o carismático João Ribas decidiu ocupar o seu lugar na galeria dos imortais, o guitarrista assumiu o leme de Tara Perdida, não deixando morrer o legado pelo qual ficara responsável. Hoje, 30 anos depois do primeiro ensaio, é o único elemento original que se encontra no púlpito, ainda que a memória de Ribas não deixe de estar presente. Na plateia, cruzam-se diferentes gerações. Quase que dos netos aos avós.

Hoje, estamos em casa! É tudo nosso!”, grita Ruka, ao mesmo tempo que soam os acordes iniciais de “O Que é Que Eu Faço Aqui”, a primeira canção que se faz ouvir, no serão de Alvalade. Imediatamente, o caos toma conta da República da Música. Corpos chocam, desordenados, dissolvendo-se no mar de gente que preenche o recinto. Outros, fazem-se às vagas promovidas pela mole humana em movimento.

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Segue-se “Um Dia de Cada Vez”, música retirada do disco Luto, de 2015, um registo marcante, por ter sido o primeiro forjado pelo grupo, depois do falecimento de João Ribas. Entretanto, volta a gritar-se por Tara Perdida e Ruka aproveita um momento de pausa para tentar transmitir quão feliz se sente: “É um prazer estar a jogar em casa, Alvalade! Vejo muita malta da velha guarda, por aqui. Obrigado! Nunca nos esquecemos de vós!”.

Fazemos uma passagem pelo álbum Nada a Esconder, ao som de “Sentimento Ingénuo”, e continuamos com “Realidade (Não Sou de Ninguém)” e “Acreditar (Força de Libertação)”, dois temas do inesquecível Lambe-Botas, de 2005, a obra mais revisitada da noite. Depois, entram em cena os primeiros convidados: Samuel Palitos, antigo baterista de Censurados, e João Pedro Almendra, ex-vocalista de Peste & Sida. Juntos, ajudam a interpretar “Baril”, clássico retirado do disco de estreia, o homónimo Tara Perdida, de 1996.

“Esta não tocamos há bué!”, confessa Ruka, enquanto escutamos as primeiras notas de “Vou P’ra Longe”. Depois, “Batata Frita” sacia o apetite dos mais saudosistas e é repetida vezes sem conta, ao ritmo, progressivamente mais acelerado, das palmas da plateia. “Batata frita pala pala é uma tara de sabor!”, canta a audiência, até que a voz lhe doa.

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Entretanto, ficamos com “Jogar de Novo e Arriscar” e sobe ao palco mais um convidado, Ivo Palitos, “o cancioneiro de Alvalade” e um irmão para os Tara Perdida. Ouvimos “A História”, tema do mais recente Reza

Tenho a certeza de que esta vai agitar!“, avisa Ruka, quando anuncia “Fizeram-se Amigos”. Não se enganou. “Nada Me Vai Parar”, “Patricia (Melhores Dias te Esperam)” e “Quanto Mais Eu Grito” também desfilam pela República da Música. Pelo meio, António Côrte-Real, guitarrista de UHF, junta-se a Tara Perdida, ajudando a interpretar “Parar Para Pensar”.

A sala transpira de emoção, por todos os poros. Atinge-se o ponto de ebulição e o suor que emana de cada um dos presentes cria uma nuvem de nostalgia. O sangue é quente, impulsionado pela adrenalina que faz bater o coração de Alvalade. Há lágrimas na plateia.

Por nós, ficaríamos aqui todos os dias, a tocar.”, admite Ruka, pedindo mais um “viv’ao João Ribas!”. Na sequência, sobem ao palco Tim, dos Xutos & Pontapés, e o seu filho Vicente Santos, que se ocupa das teclas. “Lisboa” é uma ode à cidade que viu nascer Tara Perdida e é cantada a uma só voz. Sentimos ser este o único momento de bonança, no meio da tempestade sonora a que temos sido sujeitos. Não estamos errados. A descarga de energia regressa, logo de seguida, com o clássico “Isto Não Vai Melhorar”, de 1996. Segue-se “Desalinhado”, um hino para os fãs do grupo.

“Alienado de tudo o que me pudesse vir a interessar é que notei: não é viver!”, canta Ruka, encarnando o espírito de João Ribas. “Só vocês!”, incentiva o músico, embevecido com o carinho que recebe do seu Bairro de Alvalade. “Agora, eu vou desalinhadoooo!!”, escuta, em resposta. As palavras ecoam por todo o recinto, transportando-nos, momentaneamente, até 2002, altura em que saiu o disco É Assim.

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Quando os instrumentos se calam, o conjunto sai de cena. Este poderia ter sido um gran finale, mas ainda há espaço para um epílogo e a banda não demora a regressar, sob os gritos de “Taaaaraa Perdidaaa!”.

De cerveja na mão, Ruka pergunta quem já ouviu a nova malha da banda, lançada há poucos dias. Chama-se “Tudo ou Nada” e, para espanto do frontman, é cantada em uníssono, pelo coro da República da Música. Ouvem-se palmas, a compasso. Alvalade mostra ter feito o trabalho de casa. No final da canção, o vocalista pede que se cante mais um pouco, a cappella. O desejo é concedido.

A recta final oferece-nos “Nasci Hoje”, outro hino composto por Tara Perdida, e “Dono do Mundo”, música que dá nome ao álbum lançado em 2013 e o último a contar com a participação do malogrado João Ribas. Por esta altura, já é redundante referir que o público entoa cada uma das notas, como se fosse mais um elemento da banda.

Antes de colocar um ponto final na actuação, Ruka apresenta cada um dos seus companheiros: Tiago “Ganso”, na guitarra, Filipe Sousa, no baixo, e Kistos, na bateria. “Somos Tara Perdida, há 30 anos! Obrigado!”, agradece Rui Costa, ou Ruka, ele que, hoje, assume a responsabilidade de ser a voz de Tara Perdida e o fiel depositário de um legado cujo valor é incomensuravelmente maior do que aquele que poderíamos tentar colocar em palavras. “Foi do caralho!”, regozija-se.

O derradeiro tema é o mais significativo. “Bairro de Alvalade”. Afinal, foi aqui que tudo começou. “Com o coração!”, pede Ruka.

“Volto ao passado. Sou o que sou e tu também!”, escutamos. “E nasce um novo dia! Foi aqui que tudo começou!”, respondemos.

O pano está prestes a descer, quando o coro da República da Música é convocado, uma última vez: “recordo o que se passou no Bairro de Alvalade!”, canta-se, a uma só voz. 30 anos depois do primeiro ensaio, Tara Perdida continua a ser o que sempre foi. Uma voz contestária, irreverente e desalinhada. Tal como a de cada um daqueles que se cruzou com a banda, ao longo destas três décadas, que absorveu a mensagem e fez questão de celebrar com o grupo, neste regresso à casa mãe.

Viv’ao João Ribas e longa vida a Tara Perdida!

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