Mais de uma década depois da sua última passagem por território nacional, os Architects encheram a Sala Tejo, em Lisboa, para apresentar o seu novo registo, o The Sky, The Earth & All Between, editado em fevereiro. E a formação de Brighton não veio sozinha: Brutus e Guilt Trip foram responsáveis pela abertura do concerto e, há quem diga, a doce tempestade que se abateu sobre a capital terá viajado na bagagem do conjunto britânico, trazendo, consigo, a chuva e o vento que, não ocasionalmente, se deleitam sobre a região de East Sussex…
A abertura de hostilidades esteve a cargo de Guilt Trip, formação oriunda de Manchester.
Ao longo da última década, o conjunto liderado pelo vocalista Jay Valentine tem-se destacado como um dos valores emergentes do cenário hardcore mais underground, sendo que o último registo da banda, o Severance, de 2023, catapultou o grupo para patamares superiores, permitindo-lhe chegar aos ouvidos de uma audiência alternativa. Prova disso, o facto de a Sala Tejo já se encontrar muito bem composta, às 20h, disposta a abraçar o som dos britânicos.
“Sweet Dreams”, “Severance”, “Eyes Wide Shut e “Broken Wings” foram alguns dos temas extraídos do último trabalho de Guilt Trip que ecoaram pela sala, sendo que os mais antigos “Thin Ice” e “Guilt Trip” não deixaram de desfilar, durante os cerca de 30 minutos de atuação, que serviram para aquecer (e bem!) a plateia.
Segue-se Brutus, banda originária da Flandres, região que nos tem oferecido algumas das melhores propostas post-hardcore e post-metal da atualidade, como Amenra e Oathbreaker. O conjunto liderado por Stefanie Mannaerts navega estas duas ondas, algo que também nós faremos, ao longo dos 40 minutos que se seguirão.
Os primeiros acordes de “War”, parte do álbum Nest, de 2019, servem para demonstrar que boa parte do público presente aguarda pelo regresso dos belgas a Portugal, ano e meio depois da sua passagem pelo LAV, em Lisboa, e pelo Hard Club, no Porto. “Thank you so much!”, agradece Stefanie, no final da canção. Ela que, para além de se ocupar (com mestria) da bateria, é responsável pela voz que enfeitiça a Sala Tejo, ora amarga, ora doce, mas sempre de mão dada com as estrofes que canta.
A próxima sequência transporta-nos através do disco Unison Life (2022), o último editado pelo conjunto de Leuven, obra que mereceria honras de destaque, durante o concerto.
Escutamos “Liar”, canção que serve de catalisador para que as mãos se ergam na plateia e batam palmas a compasso, ao ritmo das notas que exalam do palco. As mesmas que se juntam à banda, no início de “Miles Away”, música responsável pela espécie de transe coletivo que assalta a Sala Tejo, mesmo antes da brutal “Brave”.
Stefanie levanta-se e agradece, enviando um abraço virtual a todos aqueles que enchem o recinto. Depois “What Have We Done”, mais um tema do Unison Life, uma constante viagem entre peso e melodia.
Entretanto, a vocalista encontra um momento para respirar e conversar com o público. Agradece a Architects, pela oportunidade, e a Guilt Trip, com quem têm, igualmente, partilhado o palco. Esta é a última noite da tour, pelo que Stefanie Mannaerts aproveita para dedicar a próxima canção a todos os envolvidos. E ficamos com “Paradise”, single de 2024.
Na recta final, ouvimos “Space” e “Dust”, e terminamos na companhia de “Sugar Dragon”, um regresso ao início do concerto e ao álbum Nest, que merece um enorme aplauso e a certeza de que Brutus tem, na vetusta Lusitânia, uma segunda casa.
Quando soam as dez badaladas, a voz de Freddy Mercury faz-se ouvir: “Don’t Stop Me Now” serve de introdução à entrada em palco de Architects e é cantada, em uníssono, por todos os que enchem a Sala Tejo. Depois, as luzes apagam-se e o público clama pelo final de mais de uma década de espera. “Architects! Architects! Architects!”, grita-se. A banda de Brighton faz a vontade a quem por eles chama e entra em cena ao ritmo de “When We Were Young”, música que tem o condão de trazer o caos ao recinto e que é cantada a uma só voz. Segue-se “Whiplash”, um dos temas que compõem o mais recente registo dos britânicos, o The Sky, The Earth & All Between, a obra mais visitada da noite. “Everyone on your knees!”, exige o vocalista Sam Carter, antes de dar ordem para que o povo salte, seguindo a pauta ditada pelos instrumentos.
Carter veste uma camisola da seleção portuguesa de futebol e conduz a performance da audiência, como se de um autêntico maestro se tratasse. À sua frente, como que hipnotizada, a mole humana segue o mote dado pelo frontman e embarca numa espécie de viagem espacial. Observa-se a exibição dos primeiros crowd surfers e um anárquico bailado entre o público. É isto que querem construir os Architects. Uma desordem controlada.
Continuamos com “Giving Blood” e “Brain Dead”, mais um tema novo, e desaguamos em “Deep Fake”. No final da canção, volta a ouvir-se o grito: “Architects! Architects!”. O povo é sereno, mas está sedento por mais.
“Viva Ronaldo!”, celebra Sam Carter, imitando o célebre festejo do futebolista. “Somos Architects!”, continua, em bom português. Depois, refere-se ao facto de se terem passado 11 anos, desde a última passagem da banda por território nacional, e junta-se aos seus companheiros, para cantar “Impermanence” e “Meteor”, músicas extraídas do For Those That Wish to Exist, obra de 2021, também ela alvo de destaque, ao longo da noite.
A Sala Tejo parece não se cansar de saltar e de acompanhar, até que a voz lhe doa, cada um dos temas, servindo de coro à atuação do conjunto britânico. Palco e plateia fundem-se, num só corpo. Porém, é tempo de repousar. Escutamos “Red Hypergiant” e “Everything Ends”, canções que trazem um registo mais melódico. Melancólico, quiçá. Depois, “Black Lungs” e o regresso do peso e da agressividade.
“Put your hands in the air, right now!”, exige, imperativo, Sam Carter, durante “Royal Beggars”, cujo refrão é cantado por Lisboa, a uma só voz. “This is a crazy show…!”, diz o artista, antes de confessar quão especial é estar de volta a Portugal e de se referir às bandas que acompanharam Architects, ao longo da tour que agora termina: “We did not come alone. Give it up for Guilt Trip! They came all the way from Manchester and I fucking love that band! And give it up for Brutus, some of our best friends! This song goes for them!”. A dedicatória materializou-se em “Curse”.
Perto do final, “Gone With Wind” invade a atmosfera e a sequência “Doomsday” e “Blackhole” conduz a plateia ao pico de intensidade e adrenalina. Nenhuma gota de suor fica por gastar.
Um pequeno interlúdio leva-nos, pela mão, até ao encore e a “Seeing Red”. No final, perante o gáudio da plateia, Sam Carter pede mais um aplauso para Guilt Trip e Brutus e outro para o público. “This was one of my favourite shows!”, confessa. O ponto final é colocado ao som de “Animals”, provavelmente, aos dias de hoje, a mais popular música de Architects.
Ao cair do pano, a chuva torna-se protagonista. Não sabemos se por ação da Depressão Martinho, ou efeito da tempestade musical a que assistimos na Sala Tejo.



















