Beth Gibbons: A Voz Que Dança No Nevoeiro Do Coliseu

Beth Gibbons

O Coliseu de Lisboa, com a sua cúpula de memórias, revelou-se ontem, 16 de julho de 2025, o palco perfeito para acolher Beth Gibbons. A cantora levou-nos na sua odisseia íntima com Lives Outgrown, o álbum lançado em 2024.

Não é qualquer espaço que faz justiça à sua voz, etérea, frágil, mas de uma força que trespassa o peito. Já a vi com Portishead no Sudoeste (1998) e no festival do Meco (2011), onde a atmosfera pulsava com vida, mas o ambiente, aberto e disperso, não permitia a imersão magnânima que a voz de Gibbons exige.

O Coliseu, com a sua aura de recolhimento, é a casa ideal para estas sonoridades que pedem silêncio e contemplação.

Às 21h10, as luzes azuis inundaram o palco, envoltas em fumo denso, como se o próprio ar se tornasse um véu. Aos primeiros acordes, a luz vira vermelho, com focos a disparar do fundo do palco em direção à sala, transformando os músicos em silhuetas indistintas. A voz de Beth Gibbons, essa entidade quase sobrenatural, emerge, mas a sua figura é um mistério entre o nevoeiro. “Tell me who you are today”, canta ela, e é como se estivéssemos todos perdidos no mesmo limbo, guiados apenas pelo timbre que nos segura a alma. As cordas, o violino, a guitarra e o baixo constroem camadas de som que envolvem, mas é a voz que comanda.

O alinhamento de Lives Outgrown desfila com uma delicadeza feroz. “Burden of Life” e “Floating on a Moment” mostram a introspeção do novo trabalho, com arranjos que parecem flutuar entre o terreno e o onírico. “Rewind” termina num caos instrumental, onde cada músico parece existir por si só, desconectado, como se o próprio tema se dissolvesse na sua essência. “For Sale” e “Lost Changes” mantêm a sala suspensa, mas é em “Mysteries”, um regresso a Out of Season de 2002, que o público não se contém. A beleza da canção é tão avassaladora que o aplauso irrompe, espontâneo, quase um suspiro coletivo. Beth, tímida mas visivelmente tocada, murmura um “Obrigada, thank you so much“, com uma gratidão que parece genuína.

Os novos temas, como “Oceans” e “Whispering Love”, têm finais que se desvanecem, como se a música preferisse desaguar em silêncio a encerrar-se com firmeza. Em “Beyond the Sun”, a voz de Beth gira pela sala, num redemoinho que nos faz fechar os olhos. Mas o coração da noite bate mais forte quando ecos do passado surgem. “Tom the Model” e, no encore, “Roads” e “Glory Box”, de Portishead, arrancam ovações mais intensas, como se o público reconhecesse velhos amigos.

O concerto é aplaudido com respeito ao longo da noite, mas há uma reverência especial nestes regressos ao repertório de Portishead, como se o público agradecesse a Beth por nos devolver, por instantes, àquela melancolia dos anos 90 que moldou tantas noites de insónia. “Reaching Out”, a fechar, é um adeus que não pesa, mas eleva.

Beth Gibbons no Coliseu foi um exercício de vulnerabilidade e potência. A sua voz, como sempre, não se ouve, sente-se.

E o Coliseu, com o seu abraço acústico, foi o cenário perfeito para essa união. Saímos com a certeza de que há vozes que não pertencem apenas a quem as canta, mas a todos nós que as ouvimos.

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