Este segundo dia de Primavera Sound Porto 2025 mostrou que ainda é possível construir um cartaz que acolhe diferentes formas de viver a música. Dos corpos que procuram a descarga àqueles que se deixam ficar, atentos, em silêncio. Entre os adolescentes que se atiram, sem medo nem freio, para o mosh pit de Central Cee e os adultos que fazem o mesmo, e com igual entusiasmo, ao som pesado dos Deftones, há também os outros. Aqueles que preferem simplesmente ouvir, parados, a absorver cada melodia como quem contempla um quadro ou uma memória antiga ao som de Michael Kiwanuka ou Beach House.
Ao cair da noite, o palco Vodafone recebeu os norte-americanos Deftones com uma receção calorosa e ansiosa. Era o concerto mais aguardado por muitos e não faltaram t-shirts pretas com logótipos gastos e expressões de entusiasmo contido.
Os Deftones trouxeram peso e fúria. A banda californiana fez estremecer o Parque da Cidade com guitarras carregadas de distorção e um impacto sonoro que não pedia licença, instalou-se no corpo inteiro. Criaram um ambiente propício à descarga física do público. Saltos, empurrões e gritos — tudo fez parte da experiência, com o mosh como expressão máxima de comunhão sonora.
Chino Moreno, o vocalista, com a energia de sempre, não parou e deu, no palco Vodafone, uma aula de resistência dentro do rock pesado. O concerto dispensou a pirotecnia, apostou em boas projeções de vídeo, que mantiveram os músicos maioritariamente na sombra.

Os Deftones trouxeram um alinhamento que ajuda a explicar a razão de continuarem a somar seguidores ao longo das gerações. Clássicos como “My Own Summer (Shove It)”, “Sextape” ou “Change (In the House of Flies)” surgiram como momentos de uma carreira que sempre soube cruzar peso e delicadeza, raiva e melancolia, sem nunca se prender a uma fórmula única. Encerraram com “7 Words”, tema do álbum de estreia Adrenaline (1995), um grito cru e visceral contra a opressão e a censura, que resume o espírito inquieto e combativo com que a banda se apresentou no Primavera Sound Porto — sem filtros, direto ao osso.
Central Cee
Antes de Deftones entrarem em cena, do outro lado do recinto do Primavera Sound Porto também houve mosh. Não de guitarras distorcidas, mas sim comandado por Central Cee, uma das maiores estrelas do rap britânico atual. Subiu ao Palco Porto com dez minutos de atraso (coisa muito rara neste festival). O artista incendiou o público jovem, maioritariamente abaixo dos 25 anos, com um espetáculo explosivo de beats pesados e rimas afiadas.
O concerto arrancou com a provocação do tema “Doja”, cuja frase de abertura — “How can I be homophobic? My bitch is gay” — serviu como mote para uma noite irreverente. O público respondeu em coro. Ao longo de todo o concerto, Central Cee foi surpreendido com o lançamento de t-shirts e CDs, que assinou em palco, reforçando a ligação próxima com os fãs.
Entre pirotecnia e efeitos sonoros que soavam a tiros, Central Cee fez do contacto direto a sua principal arma. Pegou nos telemóveis que o público lhe estendia, filmou-se com eles, devolveu-os com naturalidade e seguiu sempre próximo — olhos nos olhos com quem o ouvia. Deixou o DJ sozinho no palco e preferiu estar junto às pessoas, muitas vezes agachado, a nivelar o olhar, como quem diz: estamos todos no mesmo chão.
Puxou o público para cantar “Commitment Issues”, outro dos seus grandes êxitos. Mais à frente recordou a sua primeira atuação neste festival, há dois anos.
Esta noite, a atuar já noite cerrada, pediu para se acenderem as lanternas dos telemóveis, e o resultado foi um mar de luzes a iluminar o recinto, numa imagem que marcou a sua afirmação como um nome incontornável da cena urbana europeia.
Michael Kiwanuka
A noite também teve momentos para abrandar. Michael Kiwanuka ofereceu um concerto emotivo e cheio de textura, onde cada nota pedia escuta atenta. A sua soul criou um refúgio dentro do festival.
“Como se sentem?” perguntou Michael Kiwanuka logo após a sua primeira música. Era o início de uma atuação que prometia uma experiência musical mais contemplativa. Kiwanuka apresentou-se acompanhado por uma banda numerosa, cujos elementos vestiam roupas ligada às suas raízes culturais, que se refletiu também no som e na performance.
O palco estava decorado com algumas peças de mobília, pequenos candeeiros acesos, cadeiras e outros elementos que transportavam o público para uma sala de estar confortável e íntima. Este cenário ajudou a criar uma sensação de aconchego e proximidade, pouco habitual em festivais, aproximando a audiência da essência da música de Kiwanuka.
Entre os temas interpretados, destacou-se uma versão funk de “You Ain’t the Problem”, que encaixou perfeitamente no ambiente do festival, mais animado e descontraído. Seguiram-se outras canções, como “Father’s Child”, em que o coro assumiu um papel fundamental. Em “Rule the World”, uma forte voz feminina do coro ganhou destaque, recebendo muitos aplausos por parte do público.
Kiwanuka optou por incluir no alinhamento temas menos óbvios do seu repertório, privilegiando canções marcadas pela melancolia e introspeção. Esta escolha refletiu a sua maturidade artística e o desejo de proporcionar uma experiência menos convencional, mais reflexiva e carregada de significado.
Também deixou espaço a temas como “Hero”, “Black Man in a White World” e a fechar o sempre comovedor “Cold Little Heart”.
Quanto à banda, esta contou com músicos experientes, capazes de trazer diferentes influências para a atuação. Entre os instrumentos estavam guitarras, teclados, percussão, baixo, um violino e o coro já mencionado, que não só reforçou o lado vocal como também contribuiu para a riqueza sonora do concerto. A fusão entre o soul, o funk, o folk e o R&B esteve presente em cada tema.
Beach House
E, já com o céu escuro a envolver o Parque da Cidade, os Beach House pintaram o recinto com camadas sonoras envolventes, como se o público estivesse dentro de um sonho. A sua atuação foi mais sentida do que vista. A banda conseguiu envolver a audiência num universo etéreo onde o tempo parecia suspenso.
Se Michael Kiwanuka entregou a alma ao público, os Beach House levaram a mente para uma dimensão diferente.
O duo de Baltimore ofereceu um concerto imersivo, onde a dream pop se revelou em todo o seu esplendor. Um convite à introspeção e à perda dos sentidos no espaço musical.
As silhuetas dos músicos, recortadas contra ecrãs de fundo colorido, mantiveram-se discretas, quase anónimas, reforçando a ideia de que esta é uma banda que se quer ouvir, e não ver. Essa escolha estética reduziu significativamente a vontade de muitos, em se levantarem para filmar, respeitando o ambiente de contemplação sonora que se criou. Ainda assim, não foram poucos os que não resistiram a registar com o telemóvel, especialmente durante “Space Song”, um dos momentos altos da noite.
Em diversos momentos, o duo expressou a sua gratidão e carinho pela cidade e pelo público português. “Sentimo-nos muito sortudos de estar aqui convosco,” confessaram, reforçando a sua ligação especial a Portugal. “Adoramos tocar em Portugal, adoramos o Porto. Atuámos aqui pela primeira vez em 2008, no Passos Manuel,” recordaram, mostrando um vínculo de longa data.
TV On The Radio
Após um longo hiato, a banda TV On The Radio mostrou que mantém intacta a sua força ao vivo. No palco Vodafone, ao final da tarde e ainda com o sol no céu, o vocalista Tunde Adebimpe começou por se dirigir à plateia com simpatia e humildade. Pediu desculpa pelo seu “português meio estranho”. Explicou, com um sorriso, que ia ler uma mensagem traduzida do Google: “Estamos muito felizes de estar aqui juntos a partilhar música e alegria, numa altura em que há coisas horríveis a acontecer no mundo.” O momento arrancou aplausos e deu o tom caloroso da atuação.
O set passou por clássicos como “Wolf Like Me” e “Staring at the Sun”, num concerto carregado de ritmo. Quem os escolheu, não se arrependeu: foi uma das atuações mais memoráveis do dia.
Waxahatchee
Às 18h40, o festival no palco Porto, Waxahatchee, projeto de Katie Crutchfield, apresentou um conjunto de temas do mais recente álbum Tigers Blood.
Com uma sonoridade entre o folk e o alt-country, a artista norte-americana entregou uma atuação sólida e discreta, onde se destacou a qualidade da sua escrita e a honestidade crua da sua voz. O público, mais atento do que expansivo, soube reconhecer o valor da proposta.
A Garota Não
A Garota Não subiu ao palco Revolut do Primavera Sound Porto para apresentar ao vivo os temas de Ferry Gold, o seu novo álbum, lançado há menos de um mês. “Ainda não tem um mês”, sublinhou a própria, com a simpatia e autenticidade que a caracterizam.
O concerto foi um convite a mergulhar nas novas canções, onde se cruzam sonoridades suaves, letras de intervenção e uma voz sempre firme no que tem a dizer. Ao vivo, A Garota Não voltou a provar que o lugar que conquistou na música portuguesa é fruto de uma identidade clara e de uma relação próxima com o público, que a escutou com atenção e aplaudiu com entusiasmo.
The Blkbrds
Às 16h45, o Palco Porto ganhou vida osThe Blkbrds. Oriundos de Lisboa, os The Blkbrds exploram uma sonoridade inspirada na herança do soul e do funk norte-americano, mas com identidade própria. Ao vivo, são uma explosão de ritmo e boa disposição — e foi isso mesmo que trouxeram ao Porto: música feita para mexer o corpo e levantar o espírito.
Visivelmente entusiasmados, os membros da banda agradeceram a receção calorosa do público. “É a primeira vez que estamos a tocar no Norte”, anunciaram, com um sorriso rasgado, perante uma plateia que os acolheu com aplausos e passos de dança. “Estamos aqui hoje para celebrar a música, a dança, a vida. Quando a vida não corre bem, dançamos. Hoje é para celebrarmos sem medos. Obrigada por estarem aqui. ‘Bora fazer a festa!”
E a festa fez-se mesmo, com destaque para “My Life 360”, um dos temas mais reconhecidos do grupo, que pôs toda a gente a mexer. A química entre os músicos e o público foi imediata: cada batida era um convite à pista de dança improvisada em frente ao palco.
Foi uma sexta-feira feita de contrastes, onde os extremos coexistiram em harmonia. Porque no Primavera, a música tanto pode empurrar como embalar — e essa é uma das suas maiores forças.
Este sábado, dia 14 de junho de 2025, o Primavera Sound Porto volta a abrir portas, com o seguinte alinhamento:
Palco Super Bock
16h00 – Maria Reis
17h50 – Horsegirl
20h45 – Destroyer
23h45 – Cap’n Jazz
Palco Porto
16h45 – Eu.Clides
18h40 – Kim Deal
21h00 – Wet Leg
23h45 – Jamie?xx
Palco Vodafone
16h55 – Nunca Mates O Mandarim
19h10 – Parcels
22h05 – Haim
01h00 – Turnstile
Palco Revolut
17h35 – David Bruno
19h40 – Carolina Durante
22h20 – Squid
01h30 – Capitão Fausto
Os bilhetes encontram-se à venda nos locais habituais pelo valor de 75 euros.
Recorde o primeiro dia de Primavera Sound Porto 2025:
– Primavera Sound Porto 2025 Arrancou Com Força, Com Charli XCX e Fontaines D.C. No Centro Das Atenções