Raios e trovões rasgaram, ontem à noite, os ecrãs do Campo Pequeno, em Lisboa, como se anunciassem o início de um ritual cósmico. A tempestade cenográfica surpreendeu o público que encheu por completo o recinto e serviu de prólogo à entrada triunfal dos Empire of the Sun. A dupla australiana, liderada por Luke Steele, subiu ao palco às 21h00 e deu início, em Lisboa à digressão europeia. Celebram o lançamento de Ask That God, o quarto álbum de estúdio que marcou o fim de um longo silêncio. Durante hora e meia, o espetáculo fundiu pop etéreo, eletrónica psicadélica e uma encenação visual exuberante, reafirmando o lugar do projeto como uma das propostas mais excêntricas e visionárias da música alternativa contemporânea.
Formados em 2007 por Luke Steele e Nick Littlemore, a banda Empire of the Sun conquistou o mundo com Walking on a Dream, um disco que os catapultou para a ribalta com hits como o tema-título e “We Are the People”. A sua música, uma fusão de synth-pop, influências disco e texturas etéreas, é apenas metade da equação. O cuidado visual é obsessivo: figurinos extravagantes, cenários que parecem saídos de um sonho futurista e coreografias que elevam cada atuação a um ritual quase místico. Nos concertos, a energia é amplificada, com as canções ganhando uma densidade e peso que contrastam com o registo mais leve dos discos, criando uma experiência visceral e imersiva.
A noite começou com um impacto literal: o público foi arrancado do torpor pela tempestade projetada nos ecrãs, e o palco revelou-se como um ovo cósmico de onde emergiram duas esculturas vivas, anunciando a entrada da banda. O primeiro ato abriu com “Changes”, acompanhado por um vídeo deslumbrante com motivos asiáticos, uma escultura monumental de rosto de perfil deitada, e outra em forma de mão, enquanto dois bailarinos dançavam com precisão hipnótica. “The Feeling You Get” trouxe mãos gigantes no ecrã, e “Cherry Blossom” surpreendeu com serpentinas a jorrar de uma mão cenográfica, culminando no hino “We Are the People”, que pôs todos de pé.
No segundo ato, Steele recordou a última visita a Portugal, no Super Bock Super Rock 2010, onde dividiram o cartaz com Prince. “Foi difícil seguir um génio, mas vocês receberam-nos de braços abertos”, confessou, antes de apresentar a banda e prometer continuar a festa nesta primeira data da digressão. “Way to Go” e “DNA” trouxeram bailarinos com ovos laranja luminosos sob um fundo azul, enquanto “Television” exibiu um ecrã hipnotizante. Um momento de pausa para uma mudança de roupa deu lugar à entrada de Supa Chai, um boneco branco com franjas, que incendiou o terceiro ato com “Music on the Radio” e “Revolve”. “High and Low” transformou o palco num mar verde de natureza, com braços no ar no refrão, e “Swordfish Hotkiss Night” explodiu num caos anime japonês, encerrando o ato com uma intensidade avassaladora.
O quarto ato viu Steele regressar de branco para “Ask That God”, provavelmente o momento cinematográfico mais marcante de todo o concerto, com o músico a interagir com a mão digital. Seguiu-se “Happy Like You / Wild World”, com a transição marcada pela aparição da Lua e do Sol no palco. “Walking on a Dream” levou-o ao meio do público, uma comunhão que incendiou a arena.
No encore, Standing on the Shore culminou com Luke Steele a destruir a guitarra contra o chão, num gesto catártico que incendiou os aplausos. Logo depois, Alive selou a noite como um hino de comunhão exuberante — Steele, de braços erguidos como um messias pop, guiava a multidão num êxtase partilhado. “May you stay forever young. See you soon”, despediu-se, numa promessa que ecoou no Campo Pequeno como um voto de eternidade.
Este concerto foi uma viagem a um plano superior de hiper-realidade, onde a conceção visual e a música se juntaram numa sinfonia de extravagância.
Roi Turbo Aqueceu o Campo Pequeno
O duo Roi Turbo, formado pelos irmãos Benjamin e Conor McCarthy, foi o responsável por abrir o concerto dos Empire of the Sun esta quarta-feira, no Campo Pequeno, em Lisboa. Oriundos da Cidade do Cabo e atualmente baseados em Londres, os dois músicos apresentaram ao público português a sua energia eletrónica, marcada por ritmos, influências globais e uma presença em palco confiante e bem sincronizada.
A sonoridade de Roi Turbo mistura o electronic dance-rock com elementos de disco, funk e house. Os irmãos McCarthy celebram o encontro entre o analógico e o digital, construindo um som contemporâneo com uma identidade própria. O seu mais recente EP, Bazooka, é um reflexo dessa abordagem, com faixas como “Dystopia” e “Hot Like Fire” a piscar o olho ao dance-pop, enquanto “Super Hands” mergulha num universo mais hipnótico e disco.
A história da banda começa ainda na adolescência, quando partilhavam um quarto e trocavam lições de bateria por tutoriais de YouTube e discos dos Bloc Party. Entre debates sobre o som das bandas e a produção eletrónica, criaram um estúdio improvisado que viria a moldar o seu estilo. Com influências que vão de William Onyeabor à disco nigeriana dos anos 80, passando pelo bubblegum pop sul-africano e pelo rock dançável à la Paul Epworth, o percurso dos dois irmãos culminou, em 2023, na mudança para Londres.
Em palco, no Campo Pequeno, foram conquistando gradualmente o público, inicialmente curioso. Envolveram a plateia e com uma boa entrega, deram o mote ideal para a noite mágica que se seguiu com os cabeças de cartaz.
Com o depósito cheio e a estrada livre, Roi Turbo promete ser um nome a seguir de perto, neste estilo.
