Numa altura em que a primavera começa a dar os primeiros sinais de vida, o calor que aqueceu a noite de Lisboa chegou de latitudes mais frias: oriundos de Gotemburgo, na Suécia, os Graveyard subiram ao palco do Lisboa ao Vivo, a propósito de uma pequena tour ibérica, oferecendo-nos o perfume do seu Hard Rock, temperado pelas doses certas de Stoner, Psych e Blues. Antes, porém, a abertura de hostilidades esteve a cargo dos portugueses Miss Lava, grupo que celebra 20 anos de carreira e que aproveitou para apresentar o seu mais recente trabalho, editado na véspera.
Miss Lava
Ao cair da noite, muitos são aqueles que já se encontram nas imediações do Lisboa ao Vivo, para assistir à performance de Miss Lava. Talvez porque queiram ficar Under a Black Sun, o novo registo dos lisboetas. Afinal, este é um dos mais acarinhados conjuntos nacionais, quando pensamos no cenário Stoner/Doom, sendo que a celebração dos 20 anos de carreira da banda, ainda que informal, confere a este espetáculo uma dose extra de expectativa.
“Under a Black Sun”, canção que dá nome ao álbum lançado no dia anterior, é o primeiro tema que se faz ouvir. Rapidamente, somos transportados para o universo sonoro de Miss Lava, ao mesmo tempo que a sala vai enchendo, ao ritmo dos riffs que jorram do palco.
“Boa noite!”, cumprimenta o vocalista João Filipe, ou Johnny Lee, quando os instrumentos se calam.
Sem demora, os acordes que se seguem anunciam a chegada de “Woe Warrior”. “Vocês!”, incentiva João, enquanto coloca a mão junto ao ouvido, num movimento que convoca a colaboração vocal do público. Lisboa responde, clamando pelo guerreiro. Na sequência, enfrentamos “Evil Eye of a Witch”. Sem medo, a plateia bate palmas a compasso, ajudando a exorcizar o “mau-olhado”.
Entretanto, “Neon Gods” descem à terra, para nos conduzir até “Dark Tomb Nebula”. Por esta altura, há muito que a audiência embarcou numa viagem espacial e uma espécie de transe colectivo toma conta do recinto. É este o poder de Miss Lava: subjugar o incauto espectador ao perfume da sua música.
Acordamos quando João Filipe volta a dirigir-se ao público, cada vez mais numeroso. “Como é que é, pessoal?”, pergunta o cantor, agradecendo, de seguida, a todos aqueles que se deslocaram, mais cedo, até ao Lisboa ao Vivo, para celebrar as duas décadas de carreira de Miss Lava e ouvir, in loco, as novas canções da banda. “Todas as músicas que tocámos, até agora, são do novo álbum, que saiu ontem, Dia da Liberdade.”, continua. “Agora, vamos regressar aos antigos!”, anuncia João, antes de se dirigir a Graveyard, à Prime Artists e aos técnicos de som, a quem agradece, também. Pelo meio, é apresentado o novo guitarrista, Hugo Jacinto. Um quinto elemento, cuja presença confere mais peso ao grupo, ao mesmo tempo que oferece uma base sólida para os solos de Rafael, ou Raffah.
“Obrigado! Um abraço a todos!”, diz João, antes de anunciar “In the Arms of the Freaks”, tema do álbum Sonic Debris, de 2016, cujo refrão é cantado em uníssono, pelo Lisboa ao Vivo.
O epílogo chega com “Doom Machine”, a faixa-título do disco de 2021. Uma obra incontornável na história de Miss Lava, por ter sido concebida durante um período mais sombrio, a vários níveis. Sentindo que o final está perto, a plateia entrega-se à melodia, não poupando uma gota de suor e juntando-se à banda com o instrumento que tem mais à mão: as palmas. Na recta final do tema, Johnny Lee sai de cena, deixando as luzes da ribalta para os seus companheiros de palco. Então, Raffah (guitarra), Ricardo Ferreira (baixo), Pedro Gonçalves (bateria) e Hugo Jacinto (guitarra) oferecem-nos um desfecho apoteótico e Miss Lava é contemplada com uma enorme e justa ovação, depois de um concerto intenso, mas curto, que deixou água na boca.
Graveyard
Blues, Psych e Stoner. É nisto que consiste a paleta de tonalidades sonoras com que os suecos Graveyard temperam o seu Hard Rock, fortemente influenciado pelos 70s. Nos últimos anos, o conjunto de Gotemburgo tem sido presença assídua em território nacional, mas nem isso faz baixar os níveis de ansiedade de todos aqueles que por eles esperam, quando sobe o pano.
A entrada em cena da banda é feita ao som das palmas da audiência, mas estas são rapidamente abafadas pelos primeiros acordes de “Twice”, um dos temas que compõem 6, o mais recente registo de Graveyard e o sexto da carreira dos escandinavos, editado em setembro de 2023. Porém, a noite é de retrospectiva, pelo que recuamos um pouco mais no tempo, até ao álbum Peace (2018), para escutar “Bird of Paradise”, “Cold Love” e “Please Don’t”. Pelo meio, recebemos o cumprimento do vocalista/guitarrista Joakim Nilsson, que medita acerca do facto de não passarem por Lisboa há um par de anos, ainda que tenham subido ao palco do festival Sonic Blast, em Âncora, em agosto do ano passado. “Thank you for coming out!”, agradece o cantor. Depois, anuncia a próxima canção, também ela do 6: “Maybe, this next one is going to be the slowest song, tonight! It’s called Breath in Breath Out!”.
A música tem o condão de vincar, ainda mais, a faceta blues de Graveyard. No final, o enorme aplauso que ecoa pelos quatro cantos do Lisboa ao Vivo mostra que a plateia está conquistada. Que o público abraça quaisquer papéis que o grupo queira assumir. Porque é bom. Porque as notas que transpiram das guitarras nos enchem a alma. Apesar de serem originários da fria Escandinávia, os solos que nos apresentam são quentes e cheios de vida. Inebriantes.
Segue-se “Slow Motion Countdown”. “Even slower”, como avisa Nilsson, no instante que se atira ao tema. Esta é a primeira incursão pelo disco Lights Out, de 2012. O mesmo de onde é extraída a fantástica “An Industry of Murder”, canção que serve de catalisador para que a audiência se deixe imergir no mar de notas musicais que vai inundando a sala. Na sequência, “Hisingen Blues” e “Goliath” potenciam, ainda mais, esta situação. O Lisboa ao Vivo mergulha, profundamente, como se o oxigénio de que depende estivesse no fundo do oceano melódico que vai banhando o recinto.
“Are you ok?”, pergunta-nos o vocalista, no momento em que voltamos à superfície. “This one is called From a Hole in the Wall”, diz, enquanto soam os acordes iniciais da malha editada em 2015, com o álbum Innocence & Decadence. Depois, “Ramped Fields” traz de volta a serenidade, permitindo que se recupere o fôlego, e acabamos por desaguar em “Uncomfortably Numb”, música que integra o muito aclamado Hisingen Blues, de 2011, e que será uma (pouco) subtil referência aos britânicos Pink Floyd, um dos grupos que, sem dúvida, influenciou a vertente mais psicadélica e progressiva de Graveyard. Este é, na verdade, um dos temas mais celebrados da noite. A reacção às primeiras notas não deixa dúvida, tal como a forma como a canção é cantada, em uníssono, como se palco e plateia se tivessem, entretanto, fundido.
“Thank you all! Good night!”, despede-se Joakim Nilsson, depois daquele que poderia ter sido um “gran finale”. Porém, a ausência é breve e rapidamente a formação sueca regressa ao púlpito, impulsionada pelas vozes que por ela bradam. “Do you want more?”, pergunta o frontman.
Claro que sim!
“Walk On” incendeia o Lisboa ao Vivo, com a sua “jazzy jam session”, e, sem que tenhamos tempo para respirar, escutamos “Ain’t Fit to Live Here”. Para o final está reservada “The Siren”. A sala volta a deixar-se cair em transe, arrebatada pela matiz “blues” da música. “Obrigado!”, ouvimos, em bom português.
Quando a sirene se cala, já Graveyard saiu de cena. Resta-nos o eco das melodias que escutámos, que nos deixa a mente a latejar e o desejo de que o reencontro aconteça em breve.
