A paridade no cartaz é uma das bandeiras do festival Primavera Sound Porto. A verdade é que, neste primeiro dia da edição de 2024, foram as mulheres a dominar o universo musical. E figuras que elevaram o nível de teatralidade em palco. PJ Harvey cativou com sua presença eclética e narrativa envolvente, enquanto Mitski transformou o palco num cenário íntimo e introspetivo. SZA encerrou a noite com uma apresentação repleta de energia e carisma.
Conhecido por anunciar nomes da música alternativa e independente, o Primavera Sound Porto acaba também por espelhar um ambiente que é um verdadeiro caldeirão cultural.
Nos relvados verdes, à beira mar, avistam-se desde os aficionados do indie rock com o seu looks vintage, aos amantes da música eletrónica com roupas futuristas e fluorescentes.
Há quem prefira um estilo boho-chic, com saias fluidas e coroas de flores, enquanto outros optam por um visual punk com peças de couro e acessórios arrojados.
Este ambiente colorido e diversificado, repleto de expressões individuais únicas, cria uma atmosfera de celebração, onde todos se sentem livres para ser quem são, unidos pelo amor à música e à cultura alternativa.
Neste primeiro dia destacavam-se as seguidoras de SZA. Às t-shirts da artista, juntava-se um estilo que combina casualidade descontraída com um toque de elegância boémia. Optam por peças confortáveis e versáteis, como calças largas, tops cropped. Foi a grande estreia desta primeira noite.
O Indie Rock de Royel Otis
A tarde começou com muita animação e dança, no mais conhecido anfiteatro natural do Parque da Cidade. “Viemos da Austrália! Obrigada por nos terem vindo ver” gritava animado, Royel Maddell, vocalista e guitarrista da banda, depois de ter posto toda a zona frente ao palco a dançar ao som de “I Wanna Dance With You”.
A banda emergente de indie rock/pop originária de Sydney, é formada por Royel Maddell e Otis Pavlovic. A dupla combina influências do rock alternativo, dream pop e new wave. Criam músicas que são ao mesmo tempo nostálgicas e modernas, que incorporam sintetizadores etéreos e guitarras dissonantes.
Voltaram a conseguir a agitar o público com ”Murder on the Dancefloor”, a conhecida cover de Sophie Ellis-Bextor. Despediram-se com “Oysters in My Pocket” e “Kool Aid”-
Animaram este início de maratona musical.
A fusão de punk e hardcore de Militarie Gun
No palco Porto, depois da pop intimista da portuguesa Silly, o palco foi tomado pelo punk rock, hardcore e rock alternativo de Militarie Gun.
A banda de rock norte-americana de Los Angeles, Califórnia trouxe uma sonoridade que remete para o rock alternativo dos anos 90.
Ian Shelton, o vocalista é provocador. Surge em palco com um colete militar preto, com as iniciais da banda destacadas a branco. Quer ver o público a saltar, junto deles e consegue-o logo nos primeiros temas, com “Think Less” e “Ain’t No Flowers”.
Provocaram-nos a primeira sensação de saudosismo da tarde, ao trazerem a cover de “Song 2” dos Blur, banda que se destacou na edição anterior do Primavera Sound Porto 2023.
Os Militarie Gun trouxeram energia bruta, letras introspetivas e atuação intensa.
Amyl and the Sniffers Agitou com o Punk da Austrália
Com a ameaça de temporal meteorológico para os próximos dias, o público do Primavera Sound Porto saboreou estas tréguas no primeiro dia. A verdadeira tempestade, neste início de festival atuou no palco Vodafone e dá pelo nome de Amyl and the Sniffers, composta pela vocalista Amy Taylor, o baterista Bryce Wilson, o guitarrista Declan Martens e o baixista Gus Romer.
A pose desafiante da vocalista não passou despercebida a ninguém, o punk corre-lhe nas veias. O som de Amyl and the Sniffers é marcado por guitarras agressivas e a voz robusta de Amy Taylor. Trazem à baila temas como a rebeldia, diversão e vida suburbana, que neste final de tarde foram digeridos a goles de cerveja.
Ao terceiro tema, Amy Taylor já desceu ao fosso e corre à frente dos fotógrafos, procurando o contacto com o público, de forma caótica e intensa. Uma frontwoman a reforçar a presença feminina deste cartaz Primavera Sound Porto.
A Versatilidade de PJ Harvey
PJ Harvey, nascida Polly Jean Harvey, é uma cantora, compositora e multi-instrumentista britânica. Era uma das atuações mais esperadas da noite e não desiludiu. Entrou ainda com a luz do dia e um céu púrpura, a brindar o público com um cenário natural altamente instagramável.
Trazia o mais recente trabalho I Inside the Old Year Dying, editado em 2023. E foi por aqui que abriu caminho com “Prayer at the Gate”, “The Nether-Edge” e “I Inside the Old Year Dying”. PJ Harvey continua a ser uma voz soberana e inovadora na música, a desafiar normas e explorar novos territórios artísticos com cada lançamento.
Tem uma elevada capacidade de se reinventar e aborda uma ampla gama de temas. Assegura o seu lugar como uma das artistas mais influentes e respeitadas da sua geração, como se assistiu, esta noite no Primavera Sound Porto.
Pouca interação tem com o público. Apenas uma voz trémula, tão distante da projeção forte quando canta, a pedir desculpa pelos problemas técnicos que estavam a afetar o som da sua guitarra. O público idolatra-a e não identifica qualquer dilema com a sua prestação.
O concerto percorre as suas diferentes fases, dá-lhe o devido destaque como multi-instrumentista, mas também como performer excecional. Há teatralidade na sua pose, quando movimenta os braços, oculta a luz ou joga com a sombra. Consegue dar dinâmica ao concerto com fortes momentos rock, mas também isolar-se em palco com um som predominantemente acústico, baseado na guitarra ou no piano. Tem a capacidade de criar atmosferas sombrias e etéreas ao ar livre.
O som estava irrepreensível, neste palco, permitindo um concerto excecional. Despediram-se com “Dress”, “Down by the Water” e “To Bring You My Love”.
A Profundidade Emocional de Mitski
Voltámos ao interior do parque, para admirar a atuação de Mitski. Cantora e compositora japonesa-americana conhecida pela sua música indie rock, alinha forte também na performance.
As luzes destacam a sua presença em palco, como se estivesse a gravar um videoclip. As cameras dão grandes planos da sua atuação nos ecrãs, incidem sobre ângulos muito próximos.
Destacam o olhar perdido, o sentimento de desespero, expõe toda a sua vulnerabilidade. Mitski é um personagem em palco a interpretar todas as emoções descritas nas letras dos temas.
Os restantes músicos estão ocultos nas sombras e dão densidade á atuação. “My Love Mine All Mine”, “Nobody “ ou “Washing Machine Heart” foram alguns dos temas que se ouviram esta noite.
O anfiteatro natural ficou compacto, coberto de gente deste o palco ao topo.
A contrastar, Maria Hein, pouco conhecida entre nós, não registou grande afluência.
SZA – A Rainha da Noite
A primeira noite de Primavera Sound Porto trouxe uma estreia a Portugal: cantora e compositora norte-americana SZA. A artista destaca-se por combinar R&B alternativo, neo soul e hip-hop. A este sucesso não é alheia a colaboração em temas com grandes nomes mundiais do hip hop como Travis Scott, Drake ou Kendrick Lamar. Para grande felicidade do público do Primavera Sound Porto, interpretou alguns desses temas, (com a voz off dos artistas) percebendo-se claramente o que norteia as novas gerações.
O palco com plataformas a diferentes alturas, recria a imagem SOS, o seu segundo álbum.. SOS é o sinal de socorro do código Morse, usado na navegação marítima, mas trazido por SZA para a vida real. Coberto por painéis de vídeo, muitos dos temas são varridos por verdadeiras tempestades de ondas, que não são mais do que tempestades emocionais.
Além da sua influência na música, SZA também é reconhecida por um estilo visual único. É um glamour de rua, muito próprio, feito de rasgões e cortes. Certo é que o seu estilo alimenta uma imagem de ícone que inspirara legiões de fãs por todo o mundo. Além disso, tem uma postura autêntica e abordagem honesta em relação à saúde mental, que atrai os jovens.
O álbum de estreia de SZA, Ctrl, lançado em 2017, foi um marco na sua carreira. Temas, como “Love Galore” e “The Weekend”, que fizeram o público vibrar, tornaram-se hinos para uma geração, ao explorar temas complexos como relacionamentos, autoaceitação e empoderamento feminino.
Mais para o final da atuação, o público vibrou com “Kill Bill”, um tema que recuperou para a atualidade o filme de Quantin Tarantino. A letra descreve a fantasia e desejo primitivo de matar um ex-namorado e a sua nova companheira. A ironia do humor corrosivo a contrastar com o tom doce e melódico de SZA não passou despercebida num mundo da música.
A aposta em musica autentica e inovadora, nesta primeira noite de Primavera Sound Porto 2024 revelou-se vencedora.
Esta sexta feira, o cartaz traz nomes como Justice, Tirzah, Lana del Rey, Wolf Eyes, Legendary Tigerman, Tropical Fuck Storm, The Last Dinner Party, Lambchop, This is the Kit, Classe Crua, Crumb, Samuel Úria, Mutu, André Henriques, Milhanas, e Máquina. Os bilhetes já se encontram esgotados.
