
Uma fusão de música étnica à qual não falta o fado ou o flamenco. Uma sonoridade única, como é descrita em comunicado de imprensa:
Texto de Tânia FernandesFadista, como ele começou por definir-se. Mas além-Fado, ideia testemunhada por vários dos clássicos que recria ao seu jeito, vibrante, acessível, às vezes íntimo. O percurso só precisa da lógica que serve a dimensão da voz – percorre Portugal, subverte divisões que a alma desmente (a proximidade da Galiza, por exemplo), abraça a Ibéria e ainda namora o Brasil. Ora nem por uma vez se sente que Zé Perdigão deixa de ter a voz moldada a cada canção, como uma segunda pele – mas que não se pense em operações plásticas, que a naturalidade impera, somando instinto, técnica e matéria-prima. Ou, se quisermos especular, parece que cada um dos temas esteve à espera deste cantor para atingir o seu ponto de rebuçado. Doçuras não faltam, como pode confirmar quem já uniu os pontos, todos fortes, de Sons Ibéricos. Nem faltam os “salgadinhos”, fica o aviso.
Este disco de revelação e de afirmação faz-nos cruzar com o nome de José Cid, presente como compositor, autor, produtor, instrumentista. É ele quem prepara as bases, para que Zé Perdigão se ocupe primordialmente com o canto. Cid é cuidadoso e generoso. Por exemplo, quando, percebendo a cinzentice corrupta e contemporânea em que Portugal se deixou mergulhar, lhe proporciona lendas e narrativas, histórias sem data, perenes, cheias de princesas, ciganos, brumas, fadas, amores contrariados, magia. Um mundo que Perdigão assimila e faz brilhar. Subitamente, percebemos também que Zé Perdigão alargou a sua esfera de influência, convocando Joaquin Rodrigo, Garcia Lorca, Teixeira de Pascoaes, Pedro Homem de Mello, Alain Oulmain, Djavan, Ney Matogrosso. E José Cid. Aponta – e acerta – a um disco sem data, mas que seria um desperdício e uma asneira não começar, desde já, a assinalar como um dos que podem abençoar-nos com grandes alegrias em tempos de escassez e de confusão. Aos eruditos e académicos, deixamos a discussão – será Música Popular Portuguesa? Será Fado mestiçado? Será canção urbana dotada de roupas universais? Para o efeito, pouco importa. Aquilo que conta é não mais perder de vista Zé Perdigão e a sua voz, sujeitos activos de um encontro imediato a que não queremos (nem devemos) escapar.
O rótulo só preocupa quem arruma e, se houver justiça, bom senso e tábua-rasa aos preconceitos, este disco de Zé Perdigão vai levar muito tempo até chegar à estante. O vimaranense leva-nos, de certo modo, a um berço de cantigas que tendemos a esquecer com demasiada facilidade. Depois, traz-nos pela mão – e sempre, sempre pela voz – até ao que ultrapassa as condições de passado ou de futuro: “é”, simplesmente. Tão simplesmente como “Zé”.