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Kalorama 2025 Arranca Com Pet Shop Boys, Flaming Lips E Novos Talentos Em Noite De Verão

Reportagem de Tânia Fernandes (texto) e António Silva (fotografia)

Pet Shop Boys no MEO Kalorama

O primeiro dia de MEO Kalorama trouxe ao Parque da Bela Vista, em Lisboa, com um ambiente descontraído, próprio de um festival que privilegia a diversidade em vez das multidões. Um encontro para quem gosta de apreciar música ao vivo, em noites de verão. O festival permitiu descobrir talentos emergentes e reencontrar nomes consagrados, num recinto com uma afluência moderada.

Pet Shop Boys

Os Pet Shop Boys foram, sem dúvida, os grandes protagonistas da noite. A dupla britânica apresentou um concerto já bem rodado da sua Dreamworld Tour — que muitos ainda recordavam da edição de 2023 do Primavera Sound Porto —, mas a previsibilidade não roubou brilho ao espetáculo. Pelo contrário: foi precisamente essa segurança e maturidade que garantiram uma atuação eficaz, preenchida de momentos de comunhão com o público. Entre luzes, visuais futuristas e os incontornáveis êxitos dos anos 80, ninguém ficou indiferente. A festa fez-se com grande furor e nostalgia.

O cenário manteve-se fiel à estética pensada pela banda: dois candeeiros de rua dominam o palco, cada um iluminando um dos músicos, como se de personagens solitárias de uma peça urbana se tratasse. À frente, Neil Tennant e Chris Lowe surgem com estruturas geométricas no rosto, uma espécie de máscara que esconde mas também afirma identidade, num jogo visual que atravessa todo o espetáculo.

Pet Shop Boys no MEO Kalorama

A noite começou com a energia de “Suburbia” e “Can You Forgive Her?”, numa abertura forte que imediatamente captou a atenção do público. As estruturas faciais desapareceram em “Opportunities (Let’s Make Lots of Money)”, marcando uma transição natural para o coração da experiência Dreamworld, onde cada canção é pensada como um quadro visual e emocional.

Ao longo de hora e meia, desfilaram êxitos incontornáveis como “Rent”, “Domino Dancing”, “The Pop Kids”, “Love Comes Quickly” ou “Paninaro”, sempre acompanhados por projeções, jogos de luzes e coreografias subtis que reforçam a teatralidade única dos Pet Shop Boys. Durante “Love Comes Quickly”, Tennant percorreu calmamente o palco da esquerda para a direita, num gesto simples e contínuo, que deu nova dimensão ao tema.

Neil Tennant falou várias vezes com o público, agradecendo o entusiasmo e a energia lisboeta. “Lisboa, que bela cidade. Gostamos muito de estar aqui”, disse, visivelmente emocionado, após a animada “Domino Dancing”. Mais à frente, apresentou “What Have I Done to Deserve This?”, originalmente gravada com Dusty Springfield. Explicou que, esta noite, é interpretada por Clare Uchima, voz do coro, que lhe deu uma nova alma ao vivo.

O concerto foi também uma demonstração de reinvenção. Tennant trocou de roupa várias vezes, regressando com uma gabardina prateada, pronto para a sequência final que incluiu “Dreamland”, “Heart” e “It’s Alright”, mergulhada em ritmos house. “It’s a Sin” fez levantar os braços do público numa das maiores explosões da noite.

O encore trouxe ainda mais clássicos. “West End Girls” surgiu com o teledisco original em fundo. A viagem de 1986 até agora pode ser evidente visualmente, mas no timbre, não há dedo a apontar e o público aplaudiu com entusiasmo. “Obrigada Lisboa, you are amazing”, disse Tennant antes de regressar ao palco para mais uma despedida. “Being Boring” encerrou o concerto, perfeito para um adeus sentido. Antes do último refrão, Tennant apresentou os músicos e agradeceu uma vez mais. Deu mais uma volta ao palco e ficou a saborear a ovação final.

The Flaming Lips

The Flaming Lips encerraram a primeira noite de festival Kalorama. Trouxeram ao palco um delírio visual e teatral, numa celebração psicadélica onde tudo — literalmente tudo — pode acontecer.

Foi com uma corneta que Wayne Coyne, líder dos The Flaming Lips, deu início a uma das atuações mais insólitas e memoráveis da primeira noite do festival Kalorama, no Parque da Bela Vista. “Gritem, gritem! E se souberem esta, cantem!”, atirava o vocalista entre explosões de luzes estroboscópicas, músicos e figuras gigantes insufláveis.

3 / 10

A celebração psicadélica teve um foco claro: Yoshimi Battles the Pink Robots, o álbum de 2002, que a banda tocou quase na íntegra, e que serviu de guião para a narrativa fantástica que tomaria conta do palco. As primeiras notas de “Fight Test” abriram caminho para o que se seguiria — não apenas música, mas uma verdadeira encenação futurista. Insufláveis gigantes, em forma de robots e criaturas cor-de-rosa invadiram o cenário ao som de “One More Robot / Sympathy 3000-21”, mergulhando o público numa viagem cósmica de sons e imagens.

O tom era de paródia, mas com uma entrega emocional desarmante. A teatralidade nunca soou forçada — é, afinal, marca registada da banda de Oklahoma. Coyne, com o seu habitual ar de profeta, comandava a multidão como quem dirige uma orquestra de alienígenas. “Gritem, gritem” pedia insistentemente. Quando chegou a vez de “Yoshimi Battles the Pink Robots, Pt. 1”, o público respondeu em uníssono, num coro em que se misturavam sorrisos e espanto. O concerto, que iniciou à 1h30 da manhã, manteve o público bem acordado, a dançar, entre o nonsense e a melancolia pop.

4 / 10

Os Flaming Lips continuam a ser uma referência da música alternativa: há poucos artistas capazes de conjugar imaginação desmedida, ironia e emoção de forma tão eficaz. O seu concerto no Kalorama foi um final glorioso para a primeira noite do festival. Uma viagem inédita para quem ficou até ao final!

A banda até pode vir de outro planeta, mas sabe perfeitamente como tocar para os habitantes do planeta Terra.

Father John Misty

Antes disso, e de Pet Shop Boys, Father John Misty ofereceu uma atuação irrepreensível, tanto no plano estético como musical. Com uma presença serena mas cheia de magnetismo, o músico norte-americano conduziu o público pelo alinhamento, onde cada canção soou como um capítulo de um romance em tom maior.

Foi Josh Tillman — o homem por detrás da persona Father John Misty — quem arrebatou pela elegância. Tillman percorreu o palco como um verdadeiro performer: passeou o seu charme, gesticulou, expressou as letras com o corpo, ficou de joelhos quando o dramatismo assim o exigia. Além de cantor Josh Tillman é uma figura que cativa, com pose de artista de cinema dos anos dourados de Hollywood, mas com a ironia de um cronista desencantado do século XXI.

5 / 15

Entre clássicos como “Nancy From Now On “e “Mr. Tillman”, e momentos mais recentes, como “I Guess Time Just Makes Fools of Us All” — uma das faixas mais melancólicas e cinematográficas da fase mais recente da sua carreira —, Father John Misty conduziu o público por um concerto onde cada palavra parecia pesar.

Este concerto surge poucos meses depois do lançamento de I Love You, Honeybear Demos, Etc. (2025), uma edição especial que assinala os dez anos de um dos seus discos mais emblemáticos.

6 / 11

A fechar, ofereceu “I Love You, Honeybear”, tema que dá nome ao disco de 2015 e que continua a ser um dos seus momentos mais arrebatadores em palco. Foi uma despedida em tom de confissão épica, onde o amor é cantado como um absurdo sublime.

Sevdaliza

Sevdaliza, com a sua fusão hipnótica de eletrónica e foi outro dos momentos de destaque, tal como os franceses L’Impératrice, com o seu pop sedutor e cheio de groove.

Sevdaliza nasceu no Irão, cresceu na Holanda e construiu um percurso artístico que desafia convenções. Cruza géneros como o trip-hop, R&B alternativo, música eletrónica e pop experimental. A sua arte é também visual, corporal e política.

7 / 8

O álbum Shabrang (2020) marcou um ponto de viragem na carreira da artista, com temas como “Habibi” e “Lamp Lady” a explorar dor, desejo e transcendência. Em 2022, o EP Raving Dahlia continuou esse caminho de provocação, refletindo também sobre o lugar da mulher na indústria e na sociedade.

Nos últimos dois anos, Sevdaliza reforçou a sua presença internacional com colaborações: “Ride or Die, Pt. 2”, com Villano Antillano e Tokischa, um dos temas que cantou esta noite em Lisboa, trouxe-lhe novos públicos e mostrou a sua fluência nos códigos da música latina urbana. “Nothing Lasts Forever”, parceria com Grimes, revelou uma faceta mais etérea e tecnológica. Mas foi com “Alibi” (2024), ao lado de Pabllo Vittar e Yseult, que a artista atingiu um novo pico de popularidade: o single tornou-se viral nas redes sociais e entrou nos tops globais. O sucesso no Parque da Bela Vista, foi evidente.

8 / 8

Sevdaliza move-se entre linguagens, idiomas e influências culturais com uma fluidez que desafia fronteiras. Ouvimos esta noite, “No Me Cansaré”, gravado no Brasil, com Karol G, assim como o recente “Heroína”, com La Joaqui. Sevdaliza aposta num discurso que cruza a intimidade feminina com temas sociais e políticos.

Com o novo álbum Heroina previsto para 2025, tudo indica que Sevdaliza continuará a sua metamorfose criativa.

Capital da Bulgária

Ao início da tarde, fomos conhecer duas novas propostas nacionais: Capital da Bulgária e Cara de Espelho.

Capital da Bulgária é o nome artístico de Sofia Reis. A artista apresentou-se ao público em 2021 com o EP Pequeno-Almoço. Abriu o concerto com o tema “Vem comigo”. Com um tom direto, sem artifícios, anunciou “eu sou a Capital da Bulgária, vou tocar aqui umas musiquinhas para vocês. Espero que gostem”.

E o público começou-se na juntar na curta zona de sombra, na lateral direita da frente ao palco, para descobrir uma das novas vozes da música portuguesa.

9 / 6

Explicou que trazia músicas novas, mas abreviou as explicações para passar para a música.

Em 2024, lançou o álbum de estreia Contei e deixei que tu me julgasses — um título que já denuncia o tom confessional do trabalho. Composto por 13 canções, o disco funciona quase como um diário sonoro, onde cada faixa revela um fragmento da sua identidade, dos seus dilemas e das suas emoções. Sofia não esconde nada: coloca-se ao centro da narrativa, deixa-se observar, analisar, julgar — com todas as fragilidades e contradições à vista.

O álbum é também um manifesto de independência artística. Capital da Bulgária está presente em todas as fases do processo criativo, desde a composição à produção, passando pela direção visual do projeto.

Antes de tocar o seu grande êxito “Lisboa”, apresentou os dois músicos que a acompanharam: Zé Ganchinho no baixo e Antunes na bateria. Anunciou mais duas músicas antes de fechar “Família” e “Morangos”, com que se despediu. Um tema muito alegre em que foi à plateia com uma caixa de morangos, para distribuir pelo público.

Cara de Espelho

Cara de Espelho é um projeto musical que reúne músicos com percursos distintos, mas uma visão artística comum. A banda reflete uma síntese criativa de experiências, sonoridades e influências que moldaram o panorama musical nacional nas últimas décadas. Entre as referências estão nomes como Deolinda, Ornatos Violeta, Gaiteiros de Lisboa, A Naifa e Humanos — um leque que traduz a diversidade e riqueza da música portuguesa atual.

O ponto de partida para este projeto foram as palavras e composições de Pedro da Silva Martins — conhecido pelo seu trabalho com Deolinda e com artistas como Ana Moura, António Zambujo e Lena d’Água. A partir das suas letras, juntaram-se os arranjos e construções instrumentais de Carlos Guerreiro (Gaiteiros de Lisboa), bem como as influências de figuras emblemáticas como José Afonso, Fausto e o Grupo de Acção Cultural (GAC). O baixo fica a cargo de Nuno Prata, dos Ornatos Violeta, e as guitarras de Luís J Martins, ligado a Deolinda, António Zambujo e Cristina Branco. À percussão está Sérgio Nascimento, que colaborou com Sérgio Godinho, David Fonseca e Humanos.

10 / 10

A voz que dá corpo a este universo musical pertence a Maria Antónia Mendes, associada a A Naifa e às Señoritas. A sua interpretação confere um carácter único e inconfundível às canções de Cara de Espelho, que se destacam pela sonoridade singular e pela forma como combinam crítica e intervenção.

O projeto propõe um universo de canções com uma forte dimensão poética e social. Herda o espírito da canção de intervenção, mas explora novas formas de narrar o país e o mundo. A inspiração dos grandes cantautores portugueses está bem presente.

O nome Cara de Espelho não foi escolhido ao acaso. É o título de um dos temas do grupo e simboliza o reflexo das virtudes e fraquezas humanas, as pequenas e grandes dores, os dilemas de ser cidadão num mundo em constante mudança. Cada canção é um convite à reflexão e à ação.

Encontrámos em Cara de Espelho exercício artístico de identidade e memória coletiva, com os olhos postos no presente e no futuro da música portuguesa.

Esta sexta-feira o MEO Kalorama volta a abrir portas às 16h00, até às 03h do dia seguinte. É um dia com muita diversidade musical, desde o hip-hop de Azealia Banks e a pop experimental de FKA twigs, até à eletrónica e dance music de Róisín Murphy e os DJs no Panorama Lisboa.

Estão previstas as seguintes atuações:

Palco MEO: 17h00 – Cíntia; 19h30 – Best Youth; 21h40 – Azealia Banks; 23h50 – Scissor Sisters; 02h00 – FKA twigs

Palco San Miguel: 17h30 – Heartworms; 18h40 – Maquina.; 20h35 – Model/Actriz; 22h45 – Boy Harsher; 00h55 – Róisín Murphy

Panorama Lisboa: 17h00 – Viegas; 19h30 – Identified Patient; 22h30 – Kelly Lee Owens; 23h40 – Helena Hauff.

Os bilhetes encontram-se à venda nos locais habituais pelo valor de 55 euros.

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