O segundo dia do NOS Alive não esgotou, mas quem entrou no recinto de Algés encontrou um festival mais fluido, com menos empurrões, mais espaço para respirar e, sobretudo, para dançar. A menor afluência acabou por jogar a favor de uma experiência mais confortável, tanto no relvado como nos acessos aos bares, às casas de banho ou às zonas de restauração. Um luxo raro em dias de festival.
O cartaz entregava a batuta à música eletrónica e não deixou margem para dúvidas: a noite foi uma discoteca a céu aberto. Apesar do céu carregado e das nuvens pesadas que ameaçaram estragar a festa, a única tempestade que se abateu sobre o NOS Alive foi digital: um vendaval de batidas, lasers e imagens animadas que deixaram o público em transe. Num dia em que o corpo foi mais convocado do que a voz, dançou-se até ao limite.
Justice: Electrónica com ADN francês
Primeiro com o regresso dos Justice, a dupla francesa composta por Gaspard Augé e Xavier de Rosnay. São lendas vivas do electro francês e senhores de uma encenação luminosa cronometrada ao segundo.

Uma das características que distingue Justice é a sua abordagem quase “rocker” da música eletrónica. Nos seus concertos, recorrem a amplificadores Marshall empilhados e a cruzes luminosas, criando uma atmosfera visual próxima da de concertos de rock ou metal. Esta estética é também evidente nos videoclipes, na imagem gráfica e na própria construção dos álbuns. Desta vezes, simplificaram o cenário a focos de luz intensa.
Depois de algum tempo em silêncio, a banda voltou a lançar novo trabalho em 2024: Hyperdrama, um álbum que mantém o ADN sonoro de Justice, mas introduz colaborações vocais de artistas contemporâneos como Tame Impala (Kevin Parker) e Miguel. O disco apresenta uma produção polida, rica em sintetizadores e com forte influência da estética retrofuturista.
Anyma: a fusão entre música eletrónica e arte digital
Depois, seguiu-se a experiência sensorial de Anyma, o projeto multimédia de Matteo Milleri dos Tale of Us, que tomou conta do palco NOS.
Anyma é o alter ego artístico de Matteo Milleri, músico e produtor italo-americano nascido em 1988, em Nova Iorque, e radicado atualmente em Berlim. Milleri iniciou este projeto a solo em 2021 com o objetivo de explorar novas fronteiras entre música, arte visual e tecnologia.
Formado em engenharia de som, Matteo Milleri construiu com Tale of Us uma carreira no panorama da música eletrónica, tendo também criado a editora Afterlife Records, plataforma que se transformou numa referência mundial do techno melódico.
Com Anyma, o artista quis ir mais longe: fundiu o universo sonoro com visuais digitais hiper-realistas. Construiu uma identidade própria centrada na interação entre o ser humano e a máquina, entre a natureza e o artifício, entre o real e o virtual.
Ao final da noite Matteo Milleri conduziu o público por um set denso, que incluiu techno melódico, house progressivo e até traços de composição clássica, a criar paisagens sonoras cinematográficas. Cada faixa parecia desdobrar-se em camadas minuciosamente trabalhadas, enquanto no ecrã gigante desfilavam projeções monumentais, androides a ganhar vida, figuras digitais e símbolos enigmáticos que remetiam para uma mitologia futurista.
O concerto foi uma espécie de narrativa de ficção científica, contada em beats e pixels. A componente visual foi coreografada ao milímetro com o som, como se estivéssemos a assistir a uma ópera digital em tempo real.
Finneas: talento multifacetado
Depois das 23h15 de ontem, o palco Heineken do NOS Alive recebeu Finneas com a aura de quem já moldou a paisagem sonora da pop contemporânea. Ainda que seja conhecido por ser o cérebro criativo por detrás do sucesso global de Billie Eilish, o artista norte-americano provou que, em palco, o seu talento musical também é reconhecido.
“Vejo tantos cartazes… estou a tentar ler o que escreveram, mas fica difícil não me enganar na letra das músicas”, confessou, entre risos, no final dos primeiros temas. Esta proximidade tornou-se uma constante ao longo do concerto.
As primeiras canções foram retiradas do álbum For Crying Out Loud, lançado em 2024, o que não impediu que a audiência o acompanhasse com fervor. Entre esses temas destacou-se “The Kids Are Dying”, marcada por uma crítica subtil, mas firme ao estado do mundo e pela entrega vocal que se tornou imagem de marca do músico.
“A próxima é antiga”, anunciou antes de tocar “Angel”. Já “Mona Lisa, Mona Lisa”, inspirada na sua companheira Claudia Sulewski, trouxe um tom mais solar e provocou o primeiro refrão gritado em uníssono, como o próprio Finneas tinha pedido: “Eu sei que é tarde, quase meia-noite, mas podem gritar o refrão”.
Seguiu-se “The Little Mess You Made”, um tema do projeto paralelo The Favors, que mantém com a cantora Ashe.
Em “I Lost a Friend” a dor crua da perda ecoou no recinto e levou muitos dos presentes às lágrimas. A ligação emocional atingiu o ponto alto em “Till Forever Falls Apart”, canção partilhada originalmente com Ashe, onde Finneas fez vibrar o recinto com um gesto simbólico: pegou numa bandeira de Portugal lançada pelo público, colocou-a sobre os ombros e pôs o boné de um fã na cabeça. O delírio foi imediato, especialmente entre o grupo de jovens que se encontrava na primeira fila, visivelmente emocionado.
A reta final trouxe temas mais conhecidos, como “Break My Heart Again”, e culminou com “For Crying Out Loud”, uma despedida agridoce, onde Finneas agradeceu várias vezes “a quantidade inacreditável de pessoas” que escolheram o seu concerto naquela noite. “Não quero acreditar na quantidade de pessoas que estão aqui. Obrigado, do fundo do coração.”
Com apenas 27 anos, Finneas é mais uma das estrelas da música pop. Um universo onde a introspeção e a honestidade têm tanto valor quanto os êxitos nas tabelas.
The Wombats: substituição inesperada, energia garantida
Chamados para ocupar o lugar de Sam Fender, que cancelou à última da hora, o trio britânico entregou um concerto carregado de energia.
Matthew “Murph” Murphy, Dan Haggis e Tord Øverland Knudsen subiram ao palco com um sorriso sincero e visivelmente comovidos. “É a primeira vez que estamos a fazer o lugar de outros, mas obrigada por serem um público tão bom”, disse Murph a meio da atuação, antes de recordar que já não tocavam em Portugal há 12 anos. O reencontro foi, para ambos os lados, uma boa surpresa.
Ao longo de cerca de uma hora, os The Wombats apresentaram um alinhamento equilibrado entre os clássicos que os tornaram populares, como “Tokyo (Vampires & Wolves)” e “Moving to New York”, e temas mais recentes do novo álbum Oh! The Ocean, lançado este ano. O disco marca uma clara viragem na identidade sonora da banda, com menos sintetizadores. Foi gravado com o produtor John Congleton em Los Angeles. Essa maturidade fez-se sentir em palco.
Na reta final, quando o baterista Dan Haggis fez um apelo: “O mundo está a precisar de amor. Abram os braços e abracem quem têm à vossa volta”, a multidão respondeu com entusiasmo, criando um daqueles momentos, que só a música ao vivo consegue proporcionar.
“Let’s Dance to Joy Division” fechou a atuação. “Quero-vos ouvir a cantar esta. Levantem os braços!”, desafiou Murph. Em palco, surgiram também as suas já emblemáticas mascotes vombates, a dançar que nem loucos, uma referência direta ao animal marsupial australiano que dá nome à banda.
O momento foi tão surreal quanto divertido e funcionou como metáfora perfeita para o espírito da noite: uma mistura de caos, humor e dança.
girl in red: uma das vozes mais ouvidas da sua geração
Foi um regresso muito esperado. Depois da atuação, em 2023, no palco Heineken, com uma afluência tão esmagadora que deixou muitos fãs cá fora. girl in red voltou ao NOS Alive para confirmar o seu lugar no panorama da música. E desta vez, com um lugar de destaque e uma plateia preparada para cantar cada palavra.
Marie Ulven Ringheim, a norueguesa que assina artisticamente como girl in red, voltou a conquistar o público português com um concerto cheio de interação. Vestida com a simplicidade que a caracteriza, t-shirt branca, blazer preto e calças de ganga, a artista entrou em palco sem grandes artifícios cénicos. Desde os primeiros acordes, estabeleceu uma ligação íntima com o público, entre palavras de incentivo, piadas cúmplices e desabafos entre canções.
O alinhamento foi uma celebração da sua curta mas já marcante carreira. “we fell in love in october”, “bad idea!”, “girls” e “we fel in love in october”. A multidão respondeu com gritos, lágrimas, bandeiras LGBTQIA+, cartazes e um mar de telemóveis no ar. Houve crowdsurfing, abraços em cadeia e uma energia filial a atravessar o recinto.
Marie canta sobre amor, desejo, saúde mental e identidade com grande franqueza. A sua música é um espelho da sua vida, onde cabe a confusão da juventude, o medo de falhar, a beleza dos pequenos gestos e a dor das grandes perdas. A sinceridade das letras, combinada com uma sonoridade que balança entre o indie rock e o pop lo-fi, cria um universo musical que fala diretamente ao coração de quem ouve.
O concerto serviu também para apresentar o novo álbum, I’m Doing It Again Baby! (2024), um trabalho que confirma a evolução da artista enquanto compositora e produtora. Mais maduro e complexo do que o disco de estreia (if i could make it go quiet, 2021).
Foi com “i wanna be your girlfriend” que tudo terminou, num momento de apoteose: Marie atirou-se para a multidão em crowdsurfing, a confiar plenamente em quem a ouvia. Flutuou sobre os braços estendidos dos fãs, num gesto simbólico de entrega total. A canção, que é um marco na representação queer na música pop contemporânea, transformou-se ali numa espécie de catarse coletiva.
No meio desta programação, conseguimos ir espreitar…
17h00 Alta Avenue: A Nova Força do Alt-Rock
Vindos de Santa Monica, a banda norte-americana atuou ao início da tarde, sem pausas, e uma sonoridade alt-rock que mistura referências como Imagine Dragons, The Killers e Depeche Mode.
A banda formou-se em 2017 pelo vocalista e compositor David Bilson, na sequência de uma carreira na composição para filmes e séries, com sua banda anterior, High Octane LA.
Para quem gosta de rock com atitude, Alta Avenue é um nome que se deu a conhecer, com os seus temas “Can’t Feel Anymore”, “Hollywood Hills” e “Black and Blue”.
18h10 Mother Mother: 20 Anos de Criatividade
A banda Mother Mother veio do Canadá, para celebrar, em Lisboa uma trajetória repleta de originalidade e inovação.
Conquistaram o público, logo à entrada, com a sua presença em palco. Fundada há 20 anos, a banda está a festejar o lançamento de seu décimo álbum, Nostalgia.
Conhecidos pelo seu espírito criativo e originalidade, os Mother Mother destacam-se pela capacidade de evoluir e surpreender.
19h30 The Backseat Lovers
Ontem, no palco Heineken, os The Backseat Lovers confirmaram o que já se sabia: não vieram para ser mais uma banda no meio do ruído, mas para marcar a música indie rock com autenticidade.
Formados em 2018, numa pequena cidade universitária no Utah, estes quatro rapazes mostraram uma maturidade musical pouco comum para quem ainda anda na casa dos vinte.
A voz de Joshua Harmon rasgava o ar com uma vulnerabilidade que não é ensaiada, é sentida, quase como se nos estivesse a contar uma história que viveu e que, no palco, volta a reviver. Tudo isto embalado por guitarras que se entrelaçam numa dança perfeita.
A banda cresceu a pulso, conquistando espaço com temas que falam à alma e a uma geração que busca sentido na incerteza. Depois do estrondo de “Kilby Girl”, que os catapultou para palcos maiores, o segundo álbum, Waiting to Spill, trouxe-lhes uma complexidade mais introspectiva e experimental.
Ao vivo, essa evolução traduz-se numa força crua.
O NOS Alive volta a abrir portas este sábado. Os concertos começam às 17h00 e vão até cerca das 04h00. Ainda há bilhetes disponíveis, pelo valor de 84 euros.
Atuam os seguintes artistas:
Palco NOS: CMAT; Jet; Muse; Nine Inch Nails
Palco Heineken: Dead Poet Society; Bright Eyes; Amyl and the Sniffers; Foster the People; Future Islands; Franc Moody
Palco WTF Clubbing: Papa Nugs; Riordan; Chloé Robinson; Erol Alkan; NTO; A?Trak;The Bloody Beetroots
Palco Coreto: Bombazine; LEFT. ; Mutaca