Depois de esgotar cinto noites no Porto, Pedro Abrunhosa trouxe a celebração dos 30 anos do álbum Viagens até à MEO Arena, em Lisboa, onde, mais uma vez, atuou perante uma plateia completamente lotada. O concerto, que misturou nostalgia e inovação, foi um retrato sonoro de três décadas de música, criatividade e compromisso social.
O espetáculo teve início com uma boa componente visual: um fundo azul céu servia de cenário, enquanto os músicos, vestidos de branco, ocupavam dois pisos do palco. Pedro Abrunhosa, envergava um vistoso casaco vermelho, a destacar-se dos restantes. O tema que deu o nome ao álbum abriu a noite, numa viagem nostálgica aos anos 90. A primeira plateia encontrava-se dividida por um corredor que ligava a um palco mais pequeno, no centro do público.
Pedro Abrunhosa e quatro músicos encerraram o tema com um ritmo sincronizado em tambores de pé, neste palco central, estabelecendo o tom de proximidade que marcaria toda a noite.
Seguiram em modo acelerado, por “Estrada”, olhos fixos na projeção que simulava a alucinação de um percurso rodoviário.
Foram vários os momentos em que Pedro Abrunhosa abriu espaço aos músicos. “Não tenho mão em mim”, foi um deles, com um espetacular solo do saxofonista Paulo Gravato. Ao mesmo tempo, fez-se uma bonita homenagem a Maceo Parker, com uma imagem do célebre saxofonista de James Brown no ecrã de fundo. O artista participou no álbum Viagens onde deixou o seu talento registado.
Viagem ao passado e encontro com o presente
“Boa noite, Lisboa. Hoje visitaremos o passado e celebraremos o futuro”, anunciou Pedro Abrunhosa antes de convidar Cláudia Pascoal a subir ao palco. Juntos, deram vida a “Fantasia”, com uma roupagem mais pop, que refletia a irreverência da jovem artista. A noite foi também um palco para a palavra “Paz”, iluminada no ecrã e descrita por Abrunhosa como “a mais importante das nossas vidas”.
O alinhamento seguiu com temas clássicos como “Fazer o que Ainda Não Foi Feito”, que começou com um arranjo inédito ao piano, e “O Rei do Bairro Alto”, onde o público não resistiu e levantou-se para dançar. O saxofonista Paulo Gravato voltou a dar um brilho especial à noite, destacando-se em momentos de improvisação que tocaram profundamente a audiência.
Reflexões sociais e momentos emocionais
Abrunhosa fez pausas para refletir sobre temas atuais, como o conflito na Palestina, que introduziu com a canção “Talvez Foder”, originalmente escrita há 30 anos. O momento foi marcado pela intensidade da banda, com o trio de sopros coreografado (Rui Pedro Silva, Daniel Dias e Paulo Gravato). Momentos de caos, com destaque para a guitarra elétrica de Bruno Macedo espelharam a mensagem da música.
Num tom mais intimista, cantou o tema “Será”, do álbum Tempo, dedicada ao seu irmão. Uma canção com a letra projetada ao fundo, sublinhando a importância de enfrentar temas difíceis. Já ao piano, tocou um novo arranjo de “É Preciso Ter Calma”, que começou como um poema e gradualmente se transformou na melodia reconhecida por todos.
Em estreia nesta pequena digressão apresentou uma nova balada de amor “Não Te Ausentes de Mim”. Apesar de uma tímida resposta inicial do público, Abrunhosa brincou: “Estão todos mudos? Faltaram às aulas de canto coral?”.
A noite ganhou ainda mais profundidade quando explica que fez “Pode o céu ser tão longe” para um amigo que perdeu a filha, reforçando o papel da música como consolo em momentos de dor.
Convidados que emocionaram
Os convidados foram uma constante surpresa, neste concerto de Lisboa. Sara Correia brilhou ao interpretar “Que O Amor Te Salve Nesta Noite Escura”, escrita em resposta à invasão da Ucrânia. Surpresa e momento alto da noite. Pedro Abrunhosa, antes de virar a página pensou em voz alta para toda a MEO Arena “Se eu tivesse vindo ver o careca, via a Sara Correia e ia-me embora…”.
Seguiu-se Diogo Piçarra, que emocionou em “Se Eu Fosse Um Dia o Teu Olhar” e na sua canção “Amor de Ferro”, num momento de cumplicidade que uniu gerações.
Paulo Praça, músico e cantor português, que integrou este espetáculo teve o seu momento ao interpretar o tema sobre Gisberta, a mulher transgénero assassinada há 18 anos no Porto, acrescentando uma dimensão de ativismo ao espetáculo.
O regresso às origens de “Viagens” culminou com a participação de Mário Barreiros, produtor do álbum, e Leonardo Barreiros (filho), que juntos tocaram “Mais Perto do Céu”, um tema raramente apresentado ao vivo.
Encerramento apoteótico
A reta final foi marcada pela energia contagiante de “Não Posso Mais”, que fez toda a plateia vibrar. “Socorro” ganhou um novo arranjo disco sound, com referências a “Staying Alive” dos Bee Gees, enquanto “Ilumina-me” trouxe um momento de serenidade com Abrunhosa ao piano.
O encore foi uma viagem no tempo, com Pedro Abrunhosa a envergar um casaco que recordava os tempos dos Bandemónio. O público uniu-se em coro em “Eu Não Sei Quem Te Perdeu”.
“Momento” foi interpretada pelos últimos convidados da noite, o Grupo Coral e Etnográfico “Os Camponeses de Pias”, de Cante Alentejano. Pedro Abrunhosa sublinhou a importância do cante alentejano, descrevendo-o como “essa pérola da cultura portuguesa”, e recordou que, no próximo dia 27, se celebra o 10.º aniversário da sua classificação como Património da Humanidade. Criado em 1968, com o objetivo de interpretar as modas da terra, este grupo tem desenvolvido um interessante trabalho com Pedro Abrunhosa, ao cruzar estes dois importantes registos da música portuguesa.
A emoção estendeu-se a “Para os Braços da Minha Mãe” e depois “Lua”, com o maior refrão dos anos 90 a ser entoado com grande emoção “Loucas são as noites que passo sem dormir/ Loucas são as noites”.
O concerto terminou com um tributo à música nacional, com o microfone a passar de mão em mão, entre todos os convidados, que se juntaram aos Comité Caviar e a Pedro Abrunhosa para a grande despedida. “Tudo o que eu te dou” fechou cerca de três horas de concerto. Entre nostalgia, inovação e reflexão, a noite foi uma celebração de 30 anos de uma das mais marcantes viagens musicais de Portugal.
Recorde outros concertos de Pedro Abrunhosa:
30 Anos De Um Álbum E Muitos Mais De Pedro Abrunhosa (2024)
Pedro Abrunhosa Ilumina De Música O Campo Pequeno (2022)
Pedro Abrunhosa – O Porto É A Sua Casa (2019)
