Os Sétima Legião uniram passado e presente num abraço cheio de melancolia, força e celebração, esta sexta-feira, no Salão Preto e Prata do Casino Estoril.
A banda, que marcou gerações com a sua sonoridade única e a simplicidade – que continua a ser a sua fórmula de sucesso – regressou com a força de sempre, num espetáculo que misturou emoção, intensidade e homenagem.
Manuel Fúria a abrir a noite
A noite começou com Manuel Fúria, que trouxe ao palco a intensidade e a teatralidade que marcam a sua música. Acompanhado apenas por um músico no sintetizador, apresentou temas do álbum Os Perdedores. Trouxe palavras urgentes e ritmos que tanto fazem dançar como pensar. Entre a ironia e a intensidade poética, Fúria deixou refrões que ecoaram na mente do público.
Uma atuação, com cerca de meia hora, discreta, sem grande reação de quem ia entrando na sala, para o nome grande da noite.
O regresso triunfante dos Sétima Legião, o coletivo de músicos talentosos
Após um curto intervalo de 10 minutos, as luzes baixaram e o público foi envolvido por um instrumental a anunciar a entrada dos Sétima Legião.
Há bandas que colocam um ponto final na sua história e há outras que deixam as reticências em aberto. Os Sétima Legião pertencem claramente ao segundo grupo. Ajudaram a redefinir o panorama da música portuguesa nos anos 80 e 90 e apesar de ausente durante largos períodos, a banda nunca anunciou oficialmente um fim.
Em vez disso, desapareceram das luzes da ribalta e regressaram em momentos pontuais para espetáculos que continuam a ser celebrados com entusiasmo por quem os segue desde os primeiros acordes de “Sete Mares” ou “Glória”.
A verdade é que os Sétima Legião nunca foram apenas uma banda e são um coletivo de músicos talentosos, cada um com a sua identidade e percurso próprio, que encontraram nesta fusão única de pop, rock e influências tradicionais portuguesas o terreno fértil para criar canções intemporais. O tempo afastou-os dos palcos como banda, mas não do universo musical e artístico.
Rodrigo Leão, um dos fundadores e figura central dos Sétima Legião, integrou os Madredeus e seguiu depois um percurso brilhante a solo. Após a pausa da banda, Rodrigo mergulhou no mundo das composições cinematográficas e das sonoridades clássicas e minimalistas. A sua carreira a solo granjeou reconhecimento internacional, com álbuns como Ave Mundi Luminar e Cinema a consolidarem o seu estatuto de um dos mais aclamados compositores portugueses.
Gabriel Gomes, cuja energia e destreza no acordeão foram sempre um dos pontos altos dos concertos dos Sétima Legião, manteve-se igualmente ativo na música após a pausa da banda. Participou no projeto Madredeus, onde deu contributos decisivos para a criação daquele som melancólico e viajante que conquistou o mundo. Mais tarde, continuou a explorar novas linguagens musicais em colaborações e projetos que cruzaram música portuguesa, contemporânea e world music, cimentando a sua versatilidade artística.
Nuno Cruz, o baterista da banda, manteve-se ligado ao mundo da percussão e do ensino musical. Embora tenha passado mais discreto no panorama mediático, nunca largou as baquetas e continuou a colaborar em projetos de música e ensino, transmitindo a sua paixão pelos ritmos a novas gerações.
Paulo Marinho foi sempre o responsável por trazer a sonoridade céltica aos Sétima Legião, com a sua flauta e a gaita de foles a conferirem uma identidade muito própria às músicas da banda. Ao longo dos anos, Paulo manteve a sua ligação à música tradicional e celta, tendo fundado o grupo Gaiteiros de Lisboa, onde continuou a explorar o folclore português e europeu, com uma abordagem inovadora e experimental.
Paulo Abelho é uma peça fundamental na sonoridade dos Sétima Legião. É a animação em pessoa em palco e o seu contributo traz uma dimensão rítmica que vai muito além do convencional. Acrescenta uma textura quase tribal e reforça o caráter épico e atmosférico das músicas da banda.
Os Sétima Legião nunca se perderam de vista completamente. O regresso aconteceu de forma pontual e inesperada. Em 2012, a banda surpreendeu os fãs com um concerto inesquecível no Coliseu de Lisboa, celebrando o legado musical que construíram. Desde então, têm regressado aos palcos em ocasiões muito específicas, com espetáculos pontuais que enchem salas e corações.
Nos concertos mais recentes, como o que aconteceu ontem à noite no Casino Estoril, ficou claro que a química entre os músicos permanece intacta. As canções, longe de soarem datadas, continuam atuais e arrebatadoras, com a simplicidade e a autenticidade que foram sempre o segredo do sucesso dos Sétima Legião.
Com “Noutro Lugar”, logo no início, recordou-se o grande ausente: “Todos os espetáculos que temos feito são uma homenagem ao nosso Ricardo”, disse Pedro Oliveira, o vocalista, referindo-se a Ricardo Camacho, teclista e um dos fundadores dos Sétima Legião, que faleceu em 2018.
A viagem musical prosseguiu com clássicos como “Sem Ter Que Amar”, “Partida” – que remonta ao primeiro single da banda, editado em 1983 –, e “Além Tejo”, entre outros temas que fizeram vibrar o público. As gaitas de foles e os bombos deram o tom a uma experiência cheia de intensidade e nostalgia, reforçada pelos aplausos calorosos que saudaram a participação dos novos elementos da banda.
Os momentos altos multiplicaram-se. “Reconquista” foi dedicada “à rapaziada do Liceu Rainha Dona Leonor”, um gesto que arrancou sorrisos e recordações àqueles que acompanharam a banda desde os primeiros tempos. Em “Mil Maneiras de Amar”, o vocalista ficou em destaque, acompanhado apenas por Gabriel Gomes no acordeão e Rodrigo Leão nas teclas, criando um ambiente íntimo e quase melancólico.
Seguiram-se momentos mais ritmados com “Tango no Exílio”, que começou de forma suave e embalada e explodiu numa energia contagiante com Gabriel Gomes a dominar o acordeão, e “Porto Santo”, uma das músicas favoritas de Ricardo Camacho e que foi dedicada por Pedro Oliveira “à minha mulher, a mulher linda que está aqui esta noite”.
A simplicidade que ainda conquista
A simplicidade continua a ser a marca dos Sétima Legião. Não há refrões esticados até à exaustão, nem canções prolongadas ao quilómetro – apenas uma autenticidade musical que continua a tocar fundo no coração de quem os ouve.
O concerto encerrou a intensidade de “Tão Só”, “Por Quem Não Esqueci” e o instrumental “Pois Que Deus Assim o Quis”, com a banda sair de palco sob fortes aplausos.
Encore e despedida apoteótica
O encore trouxe mais emoção com “Porta do Sol” – e o verso “Desce o véu, arde a catedral” foi cantado em uníssono pelo público – e “Glória”. A fechar, a despedida fez-se com uma versão mais longa de “Sete Mares”, deixando o público em êxtase e a pedir mais.
Com este regresso triunfante, os Sétima Legião provaram que, mesmo com o passar do tempo, continuam a ser uma das bandas mais icónicas da música portuguesa, capazes de conquistar o público com a mesma simplicidade e força de sempre.
