Na manhã do dia 7 de agosto, uma leve bruma tomou de assalto a Praia da Duna dos Caldeirões, nas margens da foz do rio Âncora, como que anunciando a chegada daquele que é, para muitos, o festival mais desejado: o SonicBlast. O evento vai na sua 13ª edição e mantém a fórmula de sucesso que combina música pesada, mar e ambiente descontraído e que o tornou num dos mais celebrados certames do circuito europeu de Rock Psicadélico, Stoner e Doom.
A festa começou na véspera, porém, com a habitual warm up party. O momento serviu de aquecimento, sendo que ao palco subiram os luso-brasileiros Overcrooks, os germânicos Daily Thompson, os britânicos Nerve Agent (que fizeram questão de referir serem originários de Birmingham, cidade-natal de Ozzy Osbourne) e os norte-americanos Castle Rat, banda que voltará a atuar no sábado, no Main Stage 2. A noite ficou marcada pela diversidade de tonalidades sonoras, algo que tem caracterizado o festival, ao longo de mais de uma década de existência.
No Início Era o Caos…
Voltando ao primeiro dia do SonicBlast, coube a dois conjuntos nacionais dar o (real) pontapé-de-saída do evento, numa altura em que muitos festivaleiros ainda recuperavam de uma véspera de excessos, no conforto das suas camas, enquanto outros aproveitavam para dar um retemperador passeio pelas redondezas. Adivinhava-se uma manhã tranquila, em Âncora, mas Capela Mortuária e Bøw fizeram questão de atirar uma verdadeira pedrada no charco!
A abertura de hostilidades ocorreu ao ritmo da Capela Mortuária, mas o que se viu foi um público bem vivo!
“Bom dia! Quem está de chinelos?”, perguntou o vocalista JC (João Carlos), referindo-se ao facto de o festival se realizar junto à praia. Oriunda do fervilhante e prolífico “poço bracarense”, a banda não perdeu tempo e descarregou a sua música sem piedade, dando um autêntico pontapé na letargia (quase) matinal que ainda pudesse existir. A resposta de quem se dirigiu mais cedo ao recinto não poderia ter sido melhor: sem demora, formou-se um circle pit e o pó ergueu-se no ar. Pelo palco do Stage 3, e com o auxílio vocal de três convidados, desfilaram malhas do EP Ossadas (2019) e do álbum Monstro (2023), sendo que o último tema foi uma homenagem ao malogrado Ozzy Osbourne: JC desceu à terra, mergulhando no caos que tomava conta da plateia, e interpretou o clássico “Paranoid”, de Black Sabbath, numa versão thrashened death metal, muito apreciada pela audiência.
Seguiram-se os Bøw, conjunto originário de Santa Cruz, no oeste lusitano, que abriu o Main Stage 2 com uma energia avassaladora.
Nome emergente do cenário punk/hardcore nacional, o grupo disparou os dois EPs que constam do seu cardápio musical, tendo tido ainda tempo para ensaiar uns riffs de Fu Manchu, conjunto que viria a tocar mais tarde e por quem muitos esperavam. Entretanto, o vocalista João Coelho fez questão de agradecer a todos aqueles que se juntaram para assistir à performance de Bøw, confessando ser um privilégio subir ao palco do SonicBlast e ver o caos instalado a seus pés. “Gosto de ver esses sorrisos na cara!, confessou o cantor que, depois, haveria de se aventurar no crowdsurf, durante o tema “Daily Grind”.
Entram Em Cena O Stoner E Tonalidades Psicadélicas
Depois do peso e irreverência dos conjuntos portugueses, as hostes acalmaram com as atuações de Hooveriii e Spoon Benders, formações que viajaram desde o oeste norte-americano. Ambas navegam a onda psicadélica, sendo que os primeiros enveredam por caminhos mais espaciais, ao passo que os segundos possuem raízes assentes no Punk e no Garage Rock. Seja como for, as duas bandas ajudaram a baixar os decibéis e a preparar o cenário para os nomes que se seguiriam.
Perto das 18h00, entrou em cena um dos nomes mais aguardados do dia, avaliando pela mole humana que se juntava nas imediações no Main Stage 1: Slomosa.
Apesar de serem originários da fria Escandinávia, a música forjada pelos noruegueses é quente e rapidamente conquistou o público nacional, aquando da sua primeira passagem pelo SonicBlast, em 2022. Agora, o tempo era de reencontro e a expectativa gerada era palpável na atmosfera.
Assim que subiu ao palco, e depois de ter cumprimentado a audiência de forma efusiva, o vocalista Benjamin Berdous confidenciou estar ansioso por assistir ao concerto de Fu Manchu, sensação naturalmente partilhada por todos aqueles que já enchiam o recinto. Depois, a banda embarcou numa viagem pela sua discografia, ainda curta, mas rica, com destaque para o mais recente registo, o Tundra Rock, de 2024. Ainda assim, foram os temas do homónimo Slomosa que mais incendiaram a plateia.
Durante pouco mais de 50 minutos, fomos convidados a cantar, funcionando como um autêntico coro de fiéis devotos. Respondendo ao calor humano com que era brindado, Benjamin agradeceu em bom português, chegando a perguntar se a forma correcta a utilizar seria “obrigado” ou “obrigada”. Na sequência, embevecido, considerou os portugueses como lunáticos, não se cansando de enaltecer o carinho que sentem sempre que desembarcam em solo lusitano.
Earthless
“Olá!”, cumprimentou-nos o guitarrista Isaiah Mitchell, assim que subiu ao púlpito, não deixando de agradecer a Ricardo Rios, promotor do evento. Earthless tem sido presença assídua no SonicBlast, desde a altura em que o festival era realizado em Moledo, e é notória a cumplicidade entre a banda e o público nacional. Estas foram as únicas palavras que escutámos. Depois, os primeiros acordes de “Uluru Rock” marcaram o início de uma autêntica jam session, cujas tonalidades psicadélicas e solos inebriantes tiveram o condão de colocar a Praia da Duna dos Caldeirões num transe profundo e de fundir, num só corpo, músicos e audiência. Palco e plateia.
Ao Nascer da Lua, Chegam o Post Metal e a Introspecção.
King Woman
King Woman, projeto da norte-americana Kristina Esfandiari, estreou-se em Portugal com estrondo! A banda partilhou alguns novos temas e Kristina fez questão de passar boa parte do espetáculo junto da audiência, quase como se nos cantasse ao ouvido. Porém, foram as músicas de Celestial Blues que mais satisfizeram o público: a obra foi editada em julho de 2021 e catapultou o grupo para as luzes da ribalta, da mesma forma que chamou cada vez mais gente para junto do palco, à medida que as notas musicais iam exalando dos instrumentos, ilustrando voz doce e melancólica da cantora.
Amenra
Promotores da Church of Ra, movimento artístico que emergiu do cenário musical belga, no início do milénio, e que inclui bandas como Oathbreaker, The Black Heart Rebellion e Hessian, os Amenra tomaram de assalto as margens do rio Âncora e inundaram a Praia da Duna dos Caldeirões com a complexidade das suas composições.
Numa altura em que celebra 25 anos de carreira, “Razoreater” foi o tema com que o conjunto de Kortrijk abriu a sua performance, dando o mote para o que se seguiria: uma montanha-russa de emoções, entre o peso e a melancolia. Uma viagem musical que cativou muitos curiosos e que não deixou de agradar aos mais familiarizados com a obra da formação liderada pelo carismático, embora reservado, Colin H. Van Eeckhout. Depois, a banda belga percorreu boa parte da sua discografia, sendo que “A Solitary Reign” e “Plus Prés de Toi”, ambas retiradas do disco Mass VI, obra de 2017, foram as canções que mais reacções de satisfação arrancaram da plateia.
No final, abandonaram o púlpito da mesma forma subtil e silenciosa com que haviam entrado, deixando apenas uma mensagem na tela que ilustrava o palco, escrita na língua flamenga: “Liefde en Licht”. Amor e Luz.
Fu Manchu
O nome mais aguardado do primeiro dia do SonicBlast entrou em cena quando soavam as 12 badaladas.
A última passagem de Fu Manchu por território nacional fora há 15 anos, no saudoso Santiago Alquimista, em Lisboa, pelo que era enorme a expectativa de ver ou rever uma das bandas que ajudou a definir o género Stoner Rock.
Os californianos não desiludiram e serviram de catalisador, para que centenas de crowdsurfers se fizessem às ondas sonoras que emanavam do palco, desde o acorde inicial de “Pigeon Toe”, música que remonta ao álbum Eatin’ Dust, de 1999.
O conjunto oriundo de Orange County aproveitou para apresentar vários temas do seu mais recente registo, The Return of Tomorrow, mas foram as malhas mais antigas que fizeram as delícias da plateia, incluindo “King of the Road”, “Hell on Wheels” e “California Crossing”. A poeira levantada dentro do recinto chegou à praia, ajudando a cimentar a Duna do Caldeirão…
Depois da Tempestade, Não Chegou a Bonança.
Poder-se-ia julgar que, depois da tempestade sonora provocada pela performance de Fu Manchu, chegaria a bonança, mas não foi isso que se verificou.
A fechar o Main Stage 2, os lisboetas Maquina. inundaram o recinto com a sua mistura de música eletrónica, psych, punk e noise. Uma panóplia de sonoridades que transformou a foz do Rio Âncora numa autêntica pista de dança. Depois, para todos aqueles que ainda tinham uma gota de suor por gastar, o Stage 3 reabriu, para receber o Psych/Stoner Rock dos canadianos Heavy Trip e o Crossover/Thrash dos londrinos Inhuman Nature.
O festival SonicBlast prossegue hoje, na Praia da Duna dos Caldeirões, em Âncora, sendo que os destaques vão para as atuações de Emma Ruth Rundle, Chalk, My Sleeping Karma e Witchcraft.
